MINHA MUSA DO BAIRRO INDEPENDÊNCIA
'Ali, num canto qualquer, brilhava sua saudade.
Pousei meus olhos sobre ela e sofri.
Não só por sua ausência.
Por sua indiferença, talvez.
Por seu descaso.
Nem tanto.
Mas certamente por seu caso.
Que não era o meu.
E muito menos eu..."
Referente ao texto publicado sob o titulo de (O) Caso.
Certa vez postei no FB pequena elucubração publicada no Recanto das Letras. O Recanto é meu piedoso repositório de palavras maltratadas, escritas pela minha insana teimosia literária. Sou e não sou tudo aquilo que registro. Que o digam amigos e inimigos. Amores e desamores. Santos e profanos. Pois bem, sobre o tal escrito, que reproduzo abaixo, recebi vários pedidos para dizer a razão do mesmo, já que o pobre transmitia tristeza, decepção, frustração, etc.etc. Não me custa hoje, apoiado em meu passado glorioso de erros e acertos, falar do que me inspirou a tão dorido desabafo, digamos assim. É mais decente e mais amigável para com meu orgulho ferido. Então, vamos lá.
Nos idos de minha quase adolescência, durante as “peladas” das quais eu participava num campinho, onde hoje é um parque (imagino que ainda o seja), no meu bairro, o Independência, em Cachoeiro de Itapemirim, observei que de alguns dias, uma linda menina nos olhava com raro interesse. Para a época, isso era quase improvável. Sua presença açulou minha curiosidade e perguntei-lhe se gostava de futebol. Respondeu-me com um sorriso “Colgate” que sim, gostava, mas que ali estava somente para me ver. Me achava bonitinho, loirinho, ágil, e outros “inhos”. Isso a encantava. Paixão fulminante tomou-me de supetão. Disse-me estar morando no bairro e que estava adorando tudo ali. Encontro perfeito. Nunca acreditei no acaso e sim na teoria da reencarnação. Tudo explicado e lógico. Para mim, óbvio. Mergulhei fundo.
Durante um bom tempo, após o jogo, sentávamos sobre uma pedra grande que havia nos fundos do campinho e jogávamos conversa fora. Confesso que boa parte do que me dizia era incompatível com minha capacidade de entendimento. Mas isso era irrelevante. Importava somente sua voz, seu sorriso e seu toque, muitas vezes displicente, mas não sem menos energia para gerar meus arrepios de amor.
Descobri que a ninfeta tinha 16 anos. Eu ia fazer 12. Outro aspecto irrelevante. Quem liga para isso? Importante era estarmos juntos e nos sentirmos bem, pelo menos esse era o meu sentimento. Se fosse nos dias de hoje o bicho pegaria. Certamente haveria uma Candinha para levar o acontecido até minha mãe e dar início a um processo de assédio e sedução entre menores. Um assediando o outro. Beleza de figura jurídica.
Mas, não era hoje. Passei a sair do “racha” quando ela aparecia e, com aquele sorriso matreiro, de criança levada, meus amigos me avisavam de sua chegança. E lá ia eu. Cabeça erguida, peito estufado, olhar de falsa humildade em direção aos meninos que não alcançaram tamanha graça de amor. Glória plena e total.
Um dia chamou-me à beira do campo. Não era necessário eu sair. Tinha um compromisso importante. Olhou-me com muito carinho e lascou um beijo (o primeiro e único) perfumado no meu rosto. Afastou-se a passos rápidos. Segui seu caminhar até o fim, quando atravessou a Rua Moreira, em frente ao prédio que viria mais tarde a ser o Cine São Luiz, tomando o rumo da ponte municipal. Não mais frequentou nossas peladas.
Desnecessário falar de minhas dores, que variavam entre as de Otelo e as de Dante Alighieri, para ser mais ameno. Afastei-me das brincadeiras. Recolhia-me ao meu quarto e passava as tardes lendo revistas de Superman, Capitão Marvel, Fantasma, etc. Assim era a “depressão” da época. Tempos depois, menos machucado, saindo do Liceu lá pelas 16,30 h, após treino de basquete, deparo-me com a criatura caminhando abraçada carinhosamente a um cara conhecido, mais velho, hoje meu amigo. Cruzando comigo ameaçou enviar-me um olhar de “quem é você menininho? ”, indiferente a mim, ao cumprimento cordial de seu companheiro e ao mundo em geral.
“Puta que o pariu, minha sogra”, não desejo tal visão nem para o maior dos “pegadores de mulher alheia”. Segui em frente e não olhei para traz. Minha cabeça ia cheia de impropérios e pensamentos de vingança. Aliás, a vingança veio três ou quatro anos mais tarde. Bem, mas isso não cabe aqui e agora. Mas o escrito sim. Embora feito para a época, não carrega censura e nem mentira.
'Ali, num canto qualquer, brilhava sua saudade.
Pousei meus olhos sobre ela e sofri.
Não só por sua ausência.
Por sua indiferença, talvez.
Por seu descaso.
Nem tanto.
Mas certamente por seu caso.
Que não era o meu.
E muito menos eu..."