Cronista quando viaja

Vocês deviam ver um cronista se preparando para viajar. Começa que ele compra um caderninho e enche de anotações preliminares, de informações, curiosidades e mesmo frases sobre os lugares que ele pretende visitar. Quer potencializar as experiências que irá ter e sobre as quais deseja escrever. Que ele deseja escrever a respeito não há a menor dúvida. É tão difícil ter que achar um assunto novo para escrever a cada semana que, quando vai viajar, o cronista pensa o seguinte: “Agora eu vou lavar a égua”.

Afinal, serão outros lugares, outros costumes, outras pessoas, isso certamente trará muitas ideias para entreter o seu leitor. E, mesmo antes de sair de casa, o cronista já começa a idealizar os textos que irá fazer. Até em alguns títulos ele já pensou! Não viu lugar nenhum e já quer pensar no que vai escrever. O cronista é um personagem do John Fante que está quase morrendo afogado, mas que ainda pensa em como vai descrever essa experiência mais tarde.

Ainda em casa, enquanto prepara a sua mala – deixando o caderninho de anotações bem em cima, para poder ser utilizado em alguma eventualidade – o cronista dirige algumas preces a São Francisco de Sales. Esse São Francisco é padroeiro dos jornalistas e dos escritores, e o mal do cronista é que ele não é nem bem uma coisa e nem outra, então ele não sabe se as suas preces serão realmente recebidas, mas esse é único santo que temos disponível. O cronista ora.

E o que ora o cronista? Bem, ele começa agradecendo pela graça concedida na semana anterior. Na semana anterior, o cronista não tinha a menor ideia do que escrever, havia revirado textos antigos, tentado continuar crônicas abandonadas, reescrever crônicas já escritas, e nada. Já se encerrava o prazo para enviar a crônica, ele já admitia que teria que deixar o seu cargo à disposição, quando, enfim, uma ideia surgiu em sua mente, e com ela uma crônica. É sempre sobrenatural esse tipo de intervenção.

Feito esse reconhecimento, o cronista começa a fazer pedidos para a viagem que vai iniciar. O que ele deseja, mais do que tudo, são experiências insólitas. Quanto mais absurda melhor. Ele não liga que o vôo atrase, que ele fique cinco horas esperando no aeroporto, que a bagagem seja extraviada, nem nada disso, desde que todas essas situações rendam boas histórias. Ele já aprendeu que o leitor de crônica ri, mas ri mesmo, é quando o cronista se dá mal. Que venham, pois, as experiências inacreditáveis. Amém.

Falei ali em aeroporto, mas pode ser rodoviária também, o que o cronista não pode fazer é ir de carro, qual é a grande aventura que pode acontecer dentro de um carro, que tipo de assunto o cronista vai achar se tiver que prestar atenção no trânsito? Não, o cronista precisa ficar livre para olhar tudo ao seu redor, tem que observar muitas pessoas e nunca desistir de nenhuma delas, pois nunca se sabe de onde vai surgir o personagem da próxima crônica.

Chega então o cronista ao seu destino. Sei que o Uber está na moda, mas só deve ser usado se o cronista achar que a conversa com o motorista pode render. O ideal é flanar pelas ruas, sentindo a alma encantadora das ruas. O cronista vê uma igreja, uma capela absolutamente banal e sem graça, mas o fato de estar em outra cidade já o leva a impressionantes divagações metafísicas. Ele tem especial interesse em coisas que não chamam a atenção dos outros. Se for à China, o cronista é capaz de não visitar a Muralha. Mas aquela praça, aquele banco da praça, aquele senhorzinho sentado no banco da praça... Ah, ali bem pode estar a crônica da semana que vem.

Em suma, o cronista não sossega o facho. Frases surgem na sua cabeça o tempo inteiro e ele as anota na primeira oportunidade. É a sua maneira de tirar fotos e deixar a história registrada. Boa viagem!

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 15/10/2017
Reeditado em 15/10/2017
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