Existirá Manaus?
Perdida, em meio a tantos e-mails que não me interessavam, estava a propaganda de uma moça que eu não conhecia – e, aliás, continuo sem conhecer. Era um daqueles e-mails que se manda para muita gente, essas pequenas garrafas que lançamos ao mar, na esperança de que alguém, em algum lugar, leia o que temos a dizer, e assim nos salve da ilha deserta em que vivemos como náufragos. Por algum motivo ou contato em comum, calhou que eu fosse incluído entre os destinatários daquele apelo. Recomendava a moça que lêssemos um texto da sua autoria, chamado “Aniversário de Manaus”. Foi com espanto que recebi esse convite, pois ele sugeria que, em algum lugar do país, existia realmente uma cidade chamada Manaus e, mais do que isso, que era seu aniversário.
Manaus... Puxei pela memória tudo o que já havia ouvido falar sobre a cidade e era quase nada. Não seria antes uma invenção, uma alegoria criada pelo governo Vargas para promover o nacionalismo? Pois como é possível que, na escola, eu nunca tenha aprendido sobre o “coração da Amazônia”? Fala-se em Amazônia, isso sim, mas nunca me disseram que no meio dela podia se erguer uma cidade. Interessa o título, o orgulho de ter a Amazônia, mas o que se sabe sobre os povos que habitam toda essa região? Também os veículos de comunicação nada dizem a respeito de uma possível capital no Amazonas. E, se já não bastasse, nenhum time de futebol da cidade está nas primeiras divisões. Existirá, pois, Manaus?
Ora, a julgar pelo texto enviado, Manaus existe e está completando 348 anos. É um tempo considerável, certamente aconteceram muitas coisas nesse espaço de tempo. Mas nada dizem os livros de história. Os livros de história falam em Cabral, em Tomé de Souza, em capitanias hereditárias, mas não fazem nenhuma referência aos índios manáos, pioneiros da região. Da tribo dos manáos era Ajuricaba, índio de quem se diz que lutou contra o etnocentismo europeu-português e preferiu morrer nas águas do rio Amazonas do que ser feito prisioneiro. Já me contaram os feitos de muitos heróis, alguns bem pouco gloriosos, mas nunca me falaram em Ajuricaba.
Fico sabendo que quem nasce em Manaus é manauara. Manauara... Quase dá vontade de nascer lá. Parece nome de mulher, de mulher trigueira. E a cidade tem feito muito, sem ninguém se dar conta dela. Tem um dos maiores PIB do país. Lá também tem arranha-céus, viadutos, shopping center, tudo o que valorizamos aqui embaixo no mapa. A diferença é que eles estão no norte, que nós frequentemente chamamos de nordeste, pois na nossa cabeça tudo é uma coisa só e tudo recebe uma única indiferença. Se um dia 7 aviões terroristas se chocarem contra 7 prédios públicos de Manaus, quem sabe, na falta de outra notícia, o Jornal Nacional dê uma manchete.
Que fazer, Manaus? Falemos da arquitetura, o ciclo da borracha, o apelido de Paris dos Trópicos. A cultura e os rituais indígenas, ao som dos ritmos do Maranhão. O Festival de Ópera, o Festival de Teatro do Amazonas. A culinária, os peixes, jaraqui, pacu, pirarucu, tambaqui, matrinxã, tucunaré. A tapioquinha feita na hora, o pão com tucumã, o cupuaçu... Aproveitemos a onda verde para provar que Manaus existe. E, se nada disso adiantar, tenhamos coragem suficiente e nos atiremos nas águas do Amazonas.