Ser mãe

Quando fui mãe, soube desde o princípio que uma parte de mim fora de mim estaria no mundo. Os primeiros anos foram maravilhosos, conduzia-me, ajudava-me a dar os primeiros passos, alimentava-me, saciava minha sede, mas na medida em que o tempo passava, essa metade de mim foi ganhando autonomia e, consequentemente, fora sendo perdida a necessidade de mim para as realizações de suas ações. Respirei profundamente, era complicado entender que o "eu fora de mim" aprendera muito rapidamente a ser. Eu, com enorme pesar, comecei a me acompanhar de longe, eu observava naquele "eu" que tivera feito um bom trabalho. Alguns anos se passaram e o meu filho decidiu sair de casa. A princípio, uma dor absurda tomara conta do meu ser, mas eu precisava aprender a respirar sem essa parte de mim. Meu filho foi feliz, conseguiu alcançar os seus objetivos, mas - por ironia do destino - descobriu um câncer. Ele não quis me preocupar, pois sabia de minha fragilidade desde sua partida de casa, mas ele não pudera esconder por muito tempo. No carnaval de 2015, decidiu me contar o mal que o consumia. Eu sempre desconfira que aquela parte de mim estava debilitada, mas nada pudia fazer. Quando os nós foram desatados e ele me deixou a par, outra parte de mim ficara doente. Mas eu sou mãe. Mães, não sei porquê, precisam ser fortes. Precisam carregar todas as dores do mundo e ainda assim sorrir. Sorri. Lutei com todas as forças que me restavam para restituir aquele pedaço de mim que precisava de cura, mas foi em vão. Lembro-me amargamente do pior dia da minha vida: o dia em que me vi sendo enterrada. Não é exagero, enterrar um filho, é enterrar-se com ele. É uma dor imensurável, você não consegue se ver livre do sofrimento. Nos primeiros dias, sua mente ainda está nele, você espera ansiosamente uma ligação na esperança de ouvir sua voz. Você espera a inesperada visita, mas sempre chega alguém para lembrar que aquele pedaço de você não existe mais. Mas você continua a ser mãe, mesmo que uma parte sua não esteja consigo. Hoje, em março de 2017, o sol paira sobre minha pele e eu tenho uma certeza: eu preciso continuar lutando para sobreviver sem um pedaço de mim...

Gilson Azevedo
Enviado por Gilson Azevedo em 15/10/2017
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