UM AMOR NAS ESTRELAS
Diário de minhas andanças
02/11/2011
As chamas crepitavam no fogão de barro .
Na panelinha preta e amassada borbulhavam grãos de feijão entornados em caldo grosso.Pendurados em ripa a rodela de linguiça e um manto de touçinho, envolviam-se na fumaça erguida da lenha de bracatinga.
Tarde fria de outono sulino...
Sentado à beira do fogão era o velhinho , a personificação do abandono vivendo a solidão do fim do dia.
Naquela hora em que o céu entristecido, aquieta-se e, caladas, retornam as últimas curucacas.
Olhar pensativo passeando pelas tábuas encardidas da parede.
Das poucas tralhas, uma caneca pendurada ali, um guarda chuva velho acolá, uma lata enferrujada sobre o tampo da mesa.
Dela, elevada em riste ,uma "espada de São Jorge".
Tudo tão familiar, ainda que melancólico .
A cortina de chita estampada e, ao lado da porta, um retrato.
Aprisionados na ovalada moldura em dourado, um casal.
Ela trazendo os cabelos presos, é jóvem ainda, e preserva um ar de riso caboclo, meio encabulado.
[Dêstes de quem faz pôse ao retratista]
O jóvem a seu lado, tem os cabelos bem penteados, bigode vistoso e um ar de intensa felicidade.
Estáticos agora, aqueles olhos ao redor do fogão sorvem da foto ,o licor de seus melhores dias.
O casebre fora sempre o mesmo.Pobre em suas
formas, acabrunhado nos pertences.
Nobre em vivências !
A jóvem senhora do retrato percorria os espaços desajeitados de hoje com seus detalhes femininos.Flores brotavam debaixo das janelas e o feijão entornado em caldo grosso era servido à mesa como se fora um manjar.
Deu-se um dia a sua partida e ,dêsde então, o casebre jamais fora o mesmo.
O jasmineiro, cumprindo seu ciclo, continuou a escorrer cheiros pelos desvãos da cêrca .
[Ainda que ressentido de um tempo em que o casal cruzava alegre o portão de ripas]
Em busca de seus destinos, foram-se os vizinhos e aos poucos a aldeia mergulhou no vazio. Por opção, o velhinho decidiu permanecer ali.
Quase ninguém o visita e ,resignado, entre uma baforada e outra no palheiro, ele parece agora encontrar no crepitar das chamas o calor que lhe aquece a alma solitária.
À noite, seu olhar põe-se à campear o céu.
Vez e outra, uma estrela cadente entra pelas janelas abandonadas das casas da aldeia .
Então, seu coração dispara !
Algo lhe diz que numa noite qualquer, a môça do retrato haverá de retornar num feixe de luz.
Por instantes seus olhos ganham brilho e a fadiga lhe derruba em sono profundo na soleira da janela.
Varado de constelações ,êle sonha retornos e, quando brota uma nova aurora e um galo canta, sob céus de goiabada tudo recomeça naquêle casebre.
Joel Gomes Teixeira
Texto reeditado.
Preservados os comentários ao texto anterior:
05/11/2011 08:03 - Carlinhos Colé
Cara! Cheguei a sentir o cheiro daquela linguiça (agora sem trema. Difícil se acostumar!) e daquele manto de toucinho pendurado na ripa por sobre o fogão. Imagem da minha infância. Do meu avô que ficou viúvo aos trita anos, com três filhos pequenos e nunca mais se casou. tornou-se um velho solitário, mas feliz como se também tivesse "um amor nas estrelas". Lindo! Arrancou-me algumas lágrimas carregadas de saudade.
03/11/2011 19:20 - luciana vettorazzo cappelli
...o licor de seus melhores dias...a espada de São Jorge...a estrela cadente onde ela retornará...Tudo dando uma vivencia tão intensa, que é impossivel permanecer o mesmo depois de ler esta obra. É como se você fosse lá no fundo das cordas afinadas do coração deste homem para ler o que lhe vai na alma.Parabéns, Iratiense. Um texto magnifico!
03/11/2011 13:46 - Lisyt
Joel, Como são belas suas crônicas! Toda narração é de uma ternura contagiante.Um poema! Abraço
03/11/2011 11:10 - Ana Flor do Lácio
Acho que a maior parte de nós espera um amor das estrelas... Primorosa crônica, toda ela, no seu conjunto, é um poema. A forma como deixa fluir a pena que esvoaça entre os seus dedos sobre o papel é maravilhosa! Parabéns, Joel! Abraços.
02/11/2011 21:07 - Antonio Fernando Ribeiro
Iratiense. Lindo. Faz-me lembrar daquelas casinhas de beira de estrada, pessoas sentadas à porta, esperando alguém retornar, de alguma estrela. Talvez a de algum retrato. Parabéns. Convido você para ler e comentar a crônica Uma criança e um brinquedo eletrônico. Abraços, Antonio
02/11/2011 19:23 - Lenapena
Sabe Joel, vi retratado aqui, história semelhante a que se passou com caboclo amigo de meu avô Totó. Viveu em sua solidão pelo resto de seus dias, em seu modesto barraco, cercado por um lindo jardim. A moça do retrato dele, nunca mais retornou.... Bom, sempre vir aqui. Um abraço
02/11/2011 19:14 - Anita D Cambuim
Leio as suas crônicas como quem abre um presente. Obrigada, Joel e boa noite.
02/11/2011 19:07 - veralis
Também eu espero um amor das estrelas, embora não esteja só. Quanto mais amor melhor! Um grande beijo.
Diário de minhas andanças
02/11/2011
As chamas crepitavam no fogão de barro .
Na panelinha preta e amassada borbulhavam grãos de feijão entornados em caldo grosso.Pendurados em ripa a rodela de linguiça e um manto de touçinho, envolviam-se na fumaça erguida da lenha de bracatinga.
Tarde fria de outono sulino...
Sentado à beira do fogão era o velhinho , a personificação do abandono vivendo a solidão do fim do dia.
Naquela hora em que o céu entristecido, aquieta-se e, caladas, retornam as últimas curucacas.
Olhar pensativo passeando pelas tábuas encardidas da parede.
Das poucas tralhas, uma caneca pendurada ali, um guarda chuva velho acolá, uma lata enferrujada sobre o tampo da mesa.
Dela, elevada em riste ,uma "espada de São Jorge".
Tudo tão familiar, ainda que melancólico .
A cortina de chita estampada e, ao lado da porta, um retrato.
Aprisionados na ovalada moldura em dourado, um casal.
Ela trazendo os cabelos presos, é jóvem ainda, e preserva um ar de riso caboclo, meio encabulado.
[Dêstes de quem faz pôse ao retratista]
O jóvem a seu lado, tem os cabelos bem penteados, bigode vistoso e um ar de intensa felicidade.
Estáticos agora, aqueles olhos ao redor do fogão sorvem da foto ,o licor de seus melhores dias.
O casebre fora sempre o mesmo.Pobre em suas
formas, acabrunhado nos pertences.
Nobre em vivências !
A jóvem senhora do retrato percorria os espaços desajeitados de hoje com seus detalhes femininos.Flores brotavam debaixo das janelas e o feijão entornado em caldo grosso era servido à mesa como se fora um manjar.
Deu-se um dia a sua partida e ,dêsde então, o casebre jamais fora o mesmo.
O jasmineiro, cumprindo seu ciclo, continuou a escorrer cheiros pelos desvãos da cêrca .
[Ainda que ressentido de um tempo em que o casal cruzava alegre o portão de ripas]
Em busca de seus destinos, foram-se os vizinhos e aos poucos a aldeia mergulhou no vazio. Por opção, o velhinho decidiu permanecer ali.
Quase ninguém o visita e ,resignado, entre uma baforada e outra no palheiro, ele parece agora encontrar no crepitar das chamas o calor que lhe aquece a alma solitária.
À noite, seu olhar põe-se à campear o céu.
Vez e outra, uma estrela cadente entra pelas janelas abandonadas das casas da aldeia .
Então, seu coração dispara !
Algo lhe diz que numa noite qualquer, a môça do retrato haverá de retornar num feixe de luz.
Por instantes seus olhos ganham brilho e a fadiga lhe derruba em sono profundo na soleira da janela.
Varado de constelações ,êle sonha retornos e, quando brota uma nova aurora e um galo canta, sob céus de goiabada tudo recomeça naquêle casebre.
Joel Gomes Teixeira
Texto reeditado.
Preservados os comentários ao texto anterior:
05/11/2011 08:03 - Carlinhos Colé
Cara! Cheguei a sentir o cheiro daquela linguiça (agora sem trema. Difícil se acostumar!) e daquele manto de toucinho pendurado na ripa por sobre o fogão. Imagem da minha infância. Do meu avô que ficou viúvo aos trita anos, com três filhos pequenos e nunca mais se casou. tornou-se um velho solitário, mas feliz como se também tivesse "um amor nas estrelas". Lindo! Arrancou-me algumas lágrimas carregadas de saudade.
03/11/2011 19:20 - luciana vettorazzo cappelli
...o licor de seus melhores dias...a espada de São Jorge...a estrela cadente onde ela retornará...Tudo dando uma vivencia tão intensa, que é impossivel permanecer o mesmo depois de ler esta obra. É como se você fosse lá no fundo das cordas afinadas do coração deste homem para ler o que lhe vai na alma.Parabéns, Iratiense. Um texto magnifico!
03/11/2011 13:46 - Lisyt
Joel, Como são belas suas crônicas! Toda narração é de uma ternura contagiante.Um poema! Abraço
03/11/2011 11:10 - Ana Flor do Lácio
Acho que a maior parte de nós espera um amor das estrelas... Primorosa crônica, toda ela, no seu conjunto, é um poema. A forma como deixa fluir a pena que esvoaça entre os seus dedos sobre o papel é maravilhosa! Parabéns, Joel! Abraços.
02/11/2011 21:07 - Antonio Fernando Ribeiro
Iratiense. Lindo. Faz-me lembrar daquelas casinhas de beira de estrada, pessoas sentadas à porta, esperando alguém retornar, de alguma estrela. Talvez a de algum retrato. Parabéns. Convido você para ler e comentar a crônica Uma criança e um brinquedo eletrônico. Abraços, Antonio
02/11/2011 19:23 - Lenapena
Sabe Joel, vi retratado aqui, história semelhante a que se passou com caboclo amigo de meu avô Totó. Viveu em sua solidão pelo resto de seus dias, em seu modesto barraco, cercado por um lindo jardim. A moça do retrato dele, nunca mais retornou.... Bom, sempre vir aqui. Um abraço
02/11/2011 19:14 - Anita D Cambuim
Leio as suas crônicas como quem abre um presente. Obrigada, Joel e boa noite.
02/11/2011 19:07 - veralis
Também eu espero um amor das estrelas, embora não esteja só. Quanto mais amor melhor! Um grande beijo.