SESSENTA MINUTOS

Outra vez, horário de verão. Uns gostam, outros não. Além da rima, será a solução?

Eu não gosto, vou ser sincero. Adiantar ou atrasar uma hora na minha vida viola o meu direito natural ao bem-estar, interfere arbitrariamente no meu relógio biológico.

Sou um cidadão de bem, sempre paguei meus impostos em dia, faço corretamente minha declaração de rendas, portanto o Governo (ou qualquer autoridade em seu nome) não tem o direito de interferir em minha vida privada para me surrupiar sessenta minutos hoje e devolvê-los daqui a quatro meses, já desgastados pela erosão dos acontecimentos intermediários. É uma espécie de empréstimo compulsório. Para quem ama, será um domingo com uma hora a menos de beijos e abraços. Criação bastarda de tecnocratas que nunca leram o poeta Cassiano Ricardo: “cada minuto de vida nunca é mais, é sempre menos.”

Por outro lado, que tem a ver meu coração com a meta de racionamento de energia no país? Ora, bolas! Se as luzes se apagarem, por excesso de consumo, melhor. Amaremos no escuro, ou à luz de velas. Não é mais romântico?

Eu não pedi que meu domingo fosse mais curto. Eu queria que ele fosse mais longo. Se este desejo não pode ser atendido, se não posso deter a roda do tempo, que direito tem qualquer autoridade de apressá-la? Ladrão de horas, isto sim. Daqui a pouco vão querer regular até nossos passos, nossos desejos, nossos sonhos. Uma população de autômatos recebendo diariamente ordens superiores: “hora de levantar...hora de comer...hora de trabalhar... hora disso... hora daquilo.” Insuportável mundo novo.

Mas já sei o que vou fazer. Da próxima vez que for anunciada outra sabotagem do tempo dessa natureza, vou-me lembrar do conselho do escritor Antoine de Saint-Exupéry: “se tu vens às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz.” No caso, vou encontrar minha amada exatamente à meia noite. Depois de uma hora de amor, vamos atrasar o relógio e ainda será meia noite. Começaremos tudo de novo, com a ternura do primeiro abraço, o ímpeto do primeiro beijo e como se eu estivesse contemplando a beleza de seu corpo desnudo pela primeira vez.

Será uma bela vingança, não será?

Pereirinha
Enviado por Pereirinha em 14/10/2017
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