Primeiras Intenções
Como se não bastasse me deixar, ainda levou minha TV de led, minha poltrona bege de couro legitimo, meu espremedor de frutas e minha antiquíssima edição de “Dom Casmurro”.
Mulher desvairada! Nós dois cheios de primeiras intenções e ela me vem com “Precisamos dar um tempo…”. Tivesse dito isso antes d’eu alimentar falsas esperanças de um casamento feliz, duradouro e cheio de bons frutos!
O que me dói é saber que, provavelmente, estaríamos em lua de mel agora! Planejávamos ir aos alpes suíços tomar chocolate quente, fazer anjos de neve e ao final do dia esquentar os corpos um do outro sob uma cama confortável, cheia de rosas-vermelhas e um aroma agradável de vinho Château Lafite.
É bem verdade que isso tudo não passou de um mero devaneio de um homem sentimental! Ela partiu e levou os alpes, a neve, o chocolate, a cama, as rosas, o vinho e o Machado de Assis – deste é que sinto mais falta.
Nesta hora deve estar nos braços d’outro homem, curtindo com a minha cara, rindo da maneira como sempre ria ao meu lado. Mas escutem o que digo: esse usurpador não vai aguentar por muito tempo! Mal sabe ele o duro que dei ao lado dessa mulher!
Ela pode até não se lembrar, mas era eu quem a acordava para que chegasse cedo ao trabalho; era eu quem consentia arduamente em assistir ao seu lado todas as temporadas de “How I Met Your Mother” em sequência; era eu quem ficava ouvindo Justin Timberlake aos finais de semana! Porque um ser humano se sujeitaria à isso, senão por amor?
Mas infelizmente este sentimento labiríntico nem sempre é reciproco, e esse era o nosso caso. O que não entendo é como ela pôde me trocar por um cara que nem conhecia direito! Tire dele o rosto bonito e o corpo sarado, o que resta? Nada! É completamente sem sal!
A vida tem dessas coisas que a gente não consegue entender! Tudo parecia tão bem até a semana passada! Ela havia acabado de ser promovida a gerente promocional no trabalho! Mas de uma hora pra outra parece que tudo broxou… “O que terá acontecido?” Esta é a dúvida que me persegue e possivelmente me perseguirá pelo resto da vida.
Já indaguei aos amigos, mas nenhum me deu uma resposta convincente. Serginho disse que a fama inflamou o ego dela, Gustavo foi mais rude: “Ela nunca gostou de você!”.
A verdade é que nem ela sabe ao certo o que aconteceu. Parece que simplesmente o universo conspirou contra a nossa união.
Enfim, nosso amor jaz sepultado em plena Avenida Rio Branco, onde nos conhecemos. Ela — de moletom cinza, calça jeans e sapatênis — e eu — de camisa xadrez, cabelo lambido e óculos fundo de garrafa.
Quem imaginaria que apenas 5 anos depois esse amor acabaria? Cinco anos pra acabar em menos de uma semana! Mas é como eu disse: A vida tem dessas coisas que a gente não consegue entender. Coisas se perdem, pessoas se perdem tantas vezes e nunca a gente aprende a lidar com isso! A própria ideia de perda me parece essencialmente angustiante, a menos quando se trata da perda da virgindade.
Vou parar de divagar. Só queria poder dizer a ela minhas ultimas considerações.
Se ao menos tivesse essa oportunidade, citaria um fragmento do livro que ela me roubou: “Jurei não ir ver Capitu aquela tarde, nem nunca mais, e fazer-me padre de uma vez. Via-me já ordenado, diante dela, que choraria de arrependimento e me pediria perdão, mas eu, frio e sereno, não teria mais que desprezo, muito desprezo;”. Machado sabe das coisas!