Plínio Marcos roda a baiana
O teatro era o Rola Pedra, em Taguatinga Centro. Plínio Marcos, um ícone do teatro de vanguarda brasileiro, ia se apresentar lá. O jornal Foco, um grande periódico local, que só chegou até a quarta edição, quiçá, enviou alguns de seus repórteres mais destemidos para tentar uma entrevista de surpresa com aquele língua solta que andava descalço. Quem capitaneava o jornal - e era o vínculo entre tantos desconhecidos, jornalistas, fotógrafos e adjacentes - era o Ezequiel Marques Boaventura, jornalista formado no CEUB e funcionário da Imprensa Nacional. Assim como eu, buscava uma atividade que saísse da mesmice do serviço público.
Pois os tantos desconhecidos que orbitavam em torno daquela ideia de criar um jornal cultural em Taguatinga, nos idos de 80 do século passado não se habilitaram a entrevistar o temido ator e autor teatral. Pois fomos, Ezequiel e eu, dois perdidos numa tarde-noite agradável, a assistir a peça e esperar o momento da entrevista, não agendada com ele. E não era com um aparato moderno que comparecemos ao local. Ao contrário, levávamos apenas um bloco de anotações e uma caneta esferográfica, toda a nossa parafernália.
Terminada a apresentação, fãs dispensados e teatro vazio, só Plínio Marcos em cena, já sabendo que o íamos entrevistar. Confesso que caminhei meio temeroso para conversar com um artista temperamental, conhecido no Brasil inteiro, verdade que quase exclusivamente em meios da esquerda e, em se tratando da chamada direita, na penumbra dos quartéis, onde sempre havia algo contra ele e onde, diziam, tinha levado alguns tabefes.
Pois bem. Aceitou dar a entrevista e se sentou na beira do palco, os pés descalços, estampando, misturada ao suor, a terrível poeira vermelha de Brasília. Munidos do bloco de anotações, fomos enfrentar a fera. Apresentação feita, partimos para as perguntas. Uma palavrinha sobre a peça, uma pergunta sobre a duração da permanência no Distrito Federal, e a nossa tentativa inglória de ir tentando reproduzir no muque as palavras sem freio do ilustre entrevistado.
De repente, no meio de uma das respostas, bruscamente, ele diz que não vai continuar. E nos elogia:
- Que jornalzinho vagabundo, vocês não têm nem um gravador? Como vão reproduzir o que falo? São estenógrafos, taquígrafos, por acaso?
Dispensados, sem direito a qualquer indenização, saímos com o rabo entre as pernas. Fomos tomar uma cerveja ali pela Praça do Relógio, para pegar ar e conversar sobre a infausta experiência. Creio que ali começou a debacle do promissor empreendimento, um jornal cultural em Taguatinga. Ezequiel, que há muito não vejo, talvez concorde comigo.