A Paixão Nacional

Nosso pai era atleta no futebol de várzea, o mais guerreiro, um beque! Suas canelas, verdes de equimoses, dormentes e insensíveis após tantos embates nos fascinavam. O lazer nos finais de semana proporcionava um bicho que engordava a renda mensal, era bom de bola. Bem menino, num dia chuvoso, fui junto. À beira do campo olhando para as nuvens, levei uma bolada na barriga que ainda sinto a dor.

Depois de aposentado, sua diversão era apitar jogos amadores no balneário de Jacaraípe. Sempre sistemático, se contrariado nas marcações não argumentava, entregava o apito. Na assistência, sentados em ripas da cerca, nosso papel era de segurança do árbitro.

O irmão mais velho tornou-se fanático tricolor, eu me digo saudável, afinal torcedor é aquele que se contorce, não nasci para sofrer. Nosso time o Estrelinha, camisa branca e estrela bordada no peito, disputava campeonatos na quadra do Corpo de Bombeiros, gordinho e pereba me restava ser o arqueiro, de sofrível desempenho.

Eu e sua gêmea éramos unha e carne. Na Copa Mundial de 1966 disputada na Inglaterra, a transmissão chegava quase inaudível, via rádio, o escrete nacional perdia de Portugal, estava sendo desclassificado. Nosso irmão, desesperado e aos prantos, via os minutos se esgotarem acendendo velas aos santos, recomendação de Dona Hilda. A dupla inseparável se divertia fazendo trenzinho e arengando... Vai perder! Vai perder!

Quatro anos depois a Copa do México e um time imbatível, os irmãos se uniram na torcida canarinho. Uma goleada na Itália nas finais e o Brasil Tricampeão do Mundo. Quebramos o sofá nas comemorações!

04/10/17

Jônice Motta e Motta
Enviado por Jônice Motta e Motta em 09/10/2017
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