Retrato de Nerds quando Jovens

"Muitas pessoas iniciaram uma nova era da sua vida a partir da leitura de um livro". Nerds, por exemplo, crianças nerds que leram, digamos, “Marcelo, marmelo, martelo”, e essa obra representou uma nova abordagem global para suas vidas. Iniciaram assim sua jornada de observação, questionamento e in-compreensão do mundo. Nerds já nascem brilhantes, as circunstâncias é que ajudam, ou não: uma criança de quatro anos que pergunta "por quê?" sobre tudo pode ser considerada uma pentelha sem noção. Mas talvez seja apenas nerd.

Questões infantis filosófico-existenciais, ou sobre o funcionamento das instituições, ou que desnudam os preconceitos vigentes, ou que evidenciam as contradições de um sistema de crenças, ou que desqualificam métodos tradicionais de sempre-fizemos-assim-não-amola, são lapidares. Provocam, habitualmente, as respostas mais simples, ou simplórias, que satisfariam qualquer criança, pois seriam o máximo que ela - ou seus pais? - pode entender.

A descoberta de palavras de outros idiomas, a polissemia de palavras do próprio idioma, a existência de palavras de calão não alto o suficiente para poderem ser mencionadas, tudo isso pode provocar o sofrimento de migués, talvez não intencionais, que marcarão uma vida. Em breve, tal mini-nerd considerará o dicionário e a gramática como fontes mais confiáveis do que outras crianças, professores, pais, familiares, e qualquer pessoa adulta.

A situação só melhora! Na falta de respostas razoáveis, a alternativa seria recorrer a livros. A eventual ausência, ou carência, de livros sobre "como o mundo funciona" pode induzir uma criança-problema, digo, uma criança-nerd, a se tornar uma pesquisadora precoce. A busca pelas respostas, pela segurança do conhecimento, pela estabilidade da Verdade, pode se tornar o foco e objetivo da vida de alguém que ainda nem se reconhece como nerd.

Naturalmente, as enciclopédias, com toda a sua infinidade de informações e a vastidão de conhecimento do mundo que elas oferecem, são um sonho de consumo a ser devorado. A captação de novas informações amplia o limitado mundinho de qualquer mini-nerd passo por passo, e cada novo componente apreendido se conecta às ideias anteriores em uma brilhante explosão combinatória de associações cerebrais, num fenômeno restrito a nerds.

Para crianças-nerd, livros são os presentes mais valorizados. Mais que brinquedos, doces, roupas e qualquer outra coisa, talvez excetuados os jogos educativos e, atualmente, alguns fantásticos aparelhos eletrônicos. Uma eventual mesada, ou qualquer dinheirinho recebido, possivelmente sejam incorporados a uma meticulosa poupança, a ser investida em... livros!

Não seria surpreendente que o primeiro livro que qualquer mini-nerd compre com o próprio dinheirinho seja, por exemplo, uma tese de doutorado! (O meu foi “Inteligência Emocional” iniciador de outra nova era!) Nerds se interessam pela ampliação de seu potencial com séria dedicação por meio do desenvolvimento de suas Múltiplas Inteligências. Para nerds, os famosos (infames) testes de QI são apenas singelas e divertidas brincadeiras de criança.

A apreciação da inteligência, do conceito de inteligência, das pessoas inteligentes, do comportamento inteligente, dos vários tipos de inteligência, se torna uma constante para qualquer nerd. Nas histórias dos livros, personagens inteligentes sempre serão os favoritos, fascinantes por seus métodos científicos, e inspiradores para a vida inteira, como os detetives Sherlock Holmes, de Doyle, e Miss Marple e Hercule Poirot, de Agatha Christie.

Em termos de leituras, alguma facilidade de aprendizado de idiomas por uma criança-nerd pode ser favorecida na infância. Ou pode não ser, porque… “Ora, pra que isso?”, “Mas tem que praticar, com quem você conversaria noutra língua?” “Está querendo nos abandonar?” O simples interesse por outros idiomas pode causar estranhezas como “Mas o inglês não era suficiente? Para que você quer aprender russo agora? Já é a quinta língua estrangeira!”

Uma habilidade assustadora de uma criança-nerd pode ser, por exemplo, a capacidade de memorizar informações da cultura geral sem as quais mais de um centésimo das pessoas não conseguiria fazer menos de um centésimo do que faz. (Isso ficou confuso como a fala de Bilbo em seu 111o. aniversário, mas quis dizer que essa erudição não é indispensável.) Inúmeras informações despejadas pelo sistema escolar, ou lidas em jornais, revistas, livros, filmes, canções, websites, e-mails, placas, outdoors, serão relembradas... ad aeternum.

À medida que cresce, e para sempre, será a pessoa esquisita da família, que prescinde de estar junto ao sagrado e adorável convívio familiar e prefere estar com seus estranhíssimos e desinteressantes livros, wikis, fóruns e manuais. (Nerds são pessoas que leem manuais). Como diz um personagem: “Entre minhas propostas para o novo ano, está a de ser mais sociável: eu passaria a aceitar o convívio com outras pessoas por até 10 minutos diários.” Essa invariável fobia social das pessoas nerds intensifica seu sofrimento nas situações de convivência obrigatória, e dispara também a incompreensão, a intolerância e o preconceito de pessoas não-nerds. Há famílias que consideram normal considerar anormal gente assim.

Nerds não se contam em grandes números no mundo. Geralmente vivem em isolamento. Frequentemente por vontade própria, mas às vezes se reúnem em grupos (de) estranhos. Aliás, a descoberta da uma turma é talvez o melhor momento na vida de gente nerd. A mera percepção, absolutamente inusitada, da existência de outras pessoas “bizarras dos mesmos jeitos” pode causar uma identificação profunda, a ponto de favorecer amizades perpétuas. As tecnologias de comunicação escrita - desde os BBSs, ICQs, e-mail, redes sociais - têm ajudado nerds a encontrarem a compreensão entre seus pares. “Nerds do mundo, uni-vos!”

Adolescentes nerds invariavelmente vão bem na escola. Vão bem nas provas, vão bem nos vestibulares, vão bem nos concursos públicos. Costumam chegar bem longe e bem rápido dentro de um sistema em que se percebem como "another brick in the wall". Como dispõem plenamente das ferramentas básicas de sobrevivência nesse mundinho - captar, processar, armazenar, devolver -, sentem-se totalmente adaptados, e até curtem o sucesso que obtêm. Essa fruição geralmente acontece nas raríssimas circunstâncias em que não são vítimas da mais abjeta inveja manifestada por desprezíveis não-nerds na forma do lamentável bullying.

As opções viáveis de cursos superiores para essa pessoa dependem unicamente da sua espécie de nerd - lógico, biológico, sociológico. Caso seja do tipo lógico, então certamente Matemática será o seu assunto escolar favorito. A Rainha das Ciências será seguida de perto pelas demais matérias exatas: Física, Química, Eletrônica. São preferidas exatamente por isso, por serem exatas, precisas, objetivas, garantidas, infalíveis, incontestáveis, não sujeitas a interpretação. Seus problemas sempre podem ser resolvidos, pois se pode contar com um método confiável que vai conduzir à solução efetiva. Resolvê-los é uma satisfação! O mundo nerd é repleto de ingênuas Certezas jamais abaladas por malignas Interpretações.

Caso um nerd lógico se torne analista de sistemas, por exemplo, é provável que dedique ardorosamente sua capacidade investigativa ao trabalho - e ame isso absolutamente! “Trabalhar com o lógico-racional e construir soluções coerentes com fragmentos de ideias.” Esse é o tipo de atividade profissional exata, ajustada às principais habilidades nerds. Aí tem lugar o culto à verdade, a atitude filosófica de sua constante busca, a Cruzada do verdadeiro contra o falso! Nesse sentido, também o agnosticismo caracteriza qualquer nerd.

Embora já nasçam brilhantes, e se adaptem às circunstâncias - quer elas ajudem, quer não -, permanece obscuro o sentido, a causa, motivo, razão ou circunstância, de serem assim a vida, o universo e tudo mais. Obscuro para nerds, mais obscuro ainda para gente “normal”. Mas nerds, desde a pentelhice da infância, continuam questionando. Até o momento, nem os livros, nem a internet, nem os pais, professores, colegas, chefes, ou líderes puderam explicar. Mas nerds são as pessoas valentes que persistem na busca desse esclarecimento. Por enquanto, a resposta mais aproximada que se tem é... 42.