SOBRE O FASCÍNIO DE ESCREVER

SOBRE O FASCÍNIO DE ESCREVER

Nelson Marzullo Tangerini

Algo dentro de mim me inquieta. Não consigo suportar a lei biológica: nascer, crescer, reproduzir e morrer. Passar pela Terra sem escrever alguma coisa faria de mim um homem vazio, frustrado, uma folha de papel em branco. Nasci, cresci, não reproduzi e, certamente, irei morrer. Como diria Sócrates, “todo homem está condenado à morte”.

O que está inquieto dentro de mim é a minha alma nômade; a vontade de me expressar; a vontade de ver o mundo a minha maneira. Escrevo quando amo; escrevo quando o mundo me mostra a sua beleza; escrevo diante da perplexidade da vida; escrevo quando um amigo não mais pertence ao mundo dos vivos; escrevo quando me revolto. É como diz Albert Camus: “o homem revoltado é aquele que diz não; é aquele que diz que as coisas já foram longe demais”.

Quando escrevo, toda a minha alma se agita como o mar revolto. Entro em transe. E, como num processo mediúnico, entrego-me ao desconhecido, ao inexplicável. A inspiração pode vir num instante. Ou pode aparecer em estado sólido a minha frente, esperando que eu a decifre, a decodifique. E, neste momento, sinto-me um escultor, o suor corre pelo rosto, e sinto-me como aquele que talha o mármore até encontrar a forma ideal, que é a arte. É uma comparação clássica, parnasiana, mas é como vejo todo este processo árduo de catar palavras, escolhê-las, dispensar outras.

Mas não sou aquele escritor alienado que desconhece o sofrimento do mundo, este mundo onde as pessoas sofrem horrores, vítimas de ditaduras sanguinárias: religiosas, de direita e de esquerda - palavras que não conseguimos dinamitar e excluir de nossos dicionários. Banir do Planeta as palavras ditadura e o autoritarismo é uma tarefa diária para todos nós.

Penso como o filósofo e escritor argelino Albert Camus: “Um escritor jamais poderia estar à mercê daqueles que fazem a história, e sim a serviço daqueles que são afetados por ela”.

Não acredito na imprensa estatal ou oficial de um país. A minha matéria está no grito das ruas, no suor que escorre do rosto, na imprensa operária livre, nos sindicatos livres, na imprensa de corredor das fábricas. Interessa-me saber quem trabalhou duro para levantar, por exemplo, as muralhas da China, ou as pirâmides do Egito e não teve o nome registrado na História e seu rosto fotografado.

Uma nova História vem se escrevendo. Toda aquela História que me foi enfiada em minha cabeça é falsa.

Sou um escritor que procura se renovar diante das descobertas dos novos historiadores, que deixarão novas versões para fatos até então confusos ou propositalmente enterrados para futuras gerações.

Caminho pela superfície da Terra, enquanto a História se faz a cada milésimo de segundo. Estou aprendendo com as novas descobertas, com esse novo horizonte que se abre diante de mim, com o comportamento humano, enquanto me agarro aos clássicos que se recusam a ser chamados de ensinamentos antigos.

A sabedoria me fascina, embora saiba que nada sei. Porque o conhecimento é infinito.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 03/10/2017
Reeditado em 04/10/2017
Código do texto: T6132307
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