ANJOS TORTOS
(Dia dos finados)
QUANDO A COVA FOI aberta apenas o ossário restava. Os vermes trataram de devorar o que mais parecia estrume para as ramas. O que há de fato naquelas sepulturas? Fotografias esmaecidas; cruzes de ninguém; velas em decomposição; rosas arrancadas... - Epitáfios de gente morta? Sim. Ruelas de anjos tortos. Há o que ninguém quer ver. Somos atraídos pelo espetáculo. A repetição de uma consternação. Imitar: - Um périplo desproporcional; um entra e sai de viúvas; cantos agonizantes; cheiro de extinção... - E gritos de inocentes.
O dia de finados deveria servir de pretexto para o esquecimento dos mortos. Deixar que eles jazessem, deslembrados. A desculpa da “tradição” é um entrave na evolução do pensamento. Um dia universal para venerar os mortos! Não há nada mais absurdo, na discussão prática. Prantear o defunto é remoer as nossas dores; e, por isso, deveria ser um exercício particular. Como se fora um retiro espiritual de nós mesmos. A morte deve ser tratada com profunda deferência. Exigir silêncio do silêncio, em respeito.
O dia de finados é só mais um dia de tristeza. Esse passeio coletivo ao cemitério é um círculo endêmico de prazer. É, quem sabe, um abuso.
Na placidez da aurora, acordo sem alegria; banho-me demoradamente; busco no guarda-roupas, uma peça de caimento apropriado; e escolho, também, o melhor perfume... Como que, ironicamente, embalsamando-me. À rua, cumprimento os meus pares. Alcanço a praça principal e ali descanso. Tenho inveja do casal de rolinhas... - Que protege um ao outro. Vejo uma senhora, meio capenga, “sombrinha” colorida e puxando pela mão uma criança que me sorri banguela...
- A vida é, absurdamente, deprimente; mas, a morte... - A morte é outra coisa.