ÓCULOS ESCUROS

Tantas pessoas passaram em minha vida, mas para mim, eram todas iguais e não tinham nenhum valor.

Algumas poucas, com melhores condições financeiras, mas a maioria, não tinha absolutamente nada.

E essas, eu evitava até de olhar, pois temia ficar igual a elas.

Eu tinha tudo que queria, e não podia nem pensar nesse tipo de gente, pois eu era a atração do momento, e não podia me misturar com essas pessoas.

Geralmente eu vivia na noite e raramente eu via a luz do dia.

E quando isto acontecia, era da janela do meu quarto, e a meia cortina.

Certa vez tive que voltar para casa a pé, quando o dia já estava bem claro.

E para não ser reconhecido, usei óculos escuros.

As pessoas que eu encontrava pelo caminho, não podiam me reconhecer de forma alguma.

Porém, os óculos mesmo sendo escuros não conseguiam me ocultar às imagens, as quais eu sempre evitei, mas que naquele momento eu não tinha como me safar delas, e, querendo ou não, eu teria que vê-las, todas passando por mim.

Para não vê-las eu teria que fechar os olhos, e se assim eu fizesse poderia cair.

Então fui obrigado a ver, mendigos sujos e mal trapilhos, prostitutas, idosos abandonados, drogados, crianças desamparadas, alcoólatras, deficientes físicos, cegos e os mais variados tipos de pessoas, jamais vistos por mim antes.

Até que levei um esbarrão, por algum deles, fazendo com que meus óculos escuros, caíssem pelo chão e se quebrassem.

Assim, querendo ou não, eu teria que ver tudo àquilo que eu fazia questão de ignorar.

Então, com observação e atento a tudo, foi que pude perceber que o que havia de incomum entre eu e aquelas pessoas, era tão somente os óculos escuros, que nunca me deixavam ver a minha realidade.

Pois na verdade, eu nunca tivera condições de ser mais do que aquela gente toda, que apesar de não terem nada, são realmente muito mais felizes que eu.

Pois tenho tudo e não posso nem mesmo sair às ruas, pra não ser reconhecido por todos.

E por ser famoso, me vejo privado desse e outros tantos prazeres, tão simples e agradáveis em minha vida.

Nova Serrana (MG), 01 de dezembro de 2004.

Tadeu Lobo
Enviado por Tadeu Lobo em 03/10/2017
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