Homem das flores

Pouco notava-se sua presença há anos no local.

Salvou-me em uma e outra emergência.

Não atrapalhava o caminho... não gritava...

Ficava ali... à disposição...

Decerto não incomodasse o perfume, abafado entre tanta fumaça de gasolina e óleo diesel lançada no céu da avenida movimentada.

O colorido natural ofuscado pelas vitrinas das lojas.

Não era emergência.

Aguardava o semáforo permitisse os breves segundos para a travessia de pedestres.

Num repente, em distraído olhar para o outro lado da avenida, notei a ausência.

Havia um vazio na calçada.

Faltava algo.

Olhar vasculhando a conferir o fato, quase não percebo o homenzinho da sinaleira de pedestres ficar verde.

O ímpeto do movimento bovino da multidão à travessia, levou-me a despertar, seguindo-a ou sendo arrastado por ela.

Enquanto andava no ritmo coletivo à busca de atingir o outro lado, o mistério da ausência preenchia meu pensamento.

Esqueci-me, até, qual o motivo levara-me a atravessar a avenida.

A curiosidade ante a ausência sobrepôs-se ao objetivo anterior.

Consegui desembarcar da multidão à salvo.

Tão logo atingi a calçada, parei, obrigando desviarem-se de mim.

Um empurrãozinho e outro não tiraram meus olhos do local onde ele ficava.

Giro de 360 graus no olhar.

Nada.

Caminhei uns passos à busca de melhor visão.

Disse-me para mim: “Era preciso investigar!”

Dirigi-me ao ponto de taxi.

O taxista apressou-se em direção ao primeiro carro da fila.

Gesticulei que esperasse e perguntei-lhe se sabia algo...

Deu uma olhada em volta, antes de responder em sucessivas exclamações e interrogações: “É mesmo!... Puxa!... Não tinha percebido!... Será que está doente?... O senhor é parente dele?...”

Agradeci, para desânimo da perda de uma corrida.

Atencioso, o balconista da padaria adiantou que o pão francês sairia “num minutinho”. “No capricho”!

Quando lhe perguntei se sabia algo, expressou surpresa, saiu do balcão, foi à porta conferir. Voltou negaceando sobre sua ignorância.

Agradeci, dizendo-lhe que caprichasse na fornada da tarde.

Desviei-me do batalhão de pedestres que vencia a travessia e animei-me.

Jornaleiros sempre têm à disposição as últimas notícias.

Saiu da banca e, com ar de estranheza, prometeu-me informar-se.

Tentei antecipar a informação com o vendedor de curau e derivados de milho...

Garantiu-me ter notado a ausência e também estava curioso. Que eu lhe avisasse se soubesse de algo.

Completou: “Gente boa!”

Um morador de rua.... Quase sem esperança!... Não custa perguntar.

Mediu-me de cima a baixo... alisou o cachorro, talvez para criar coragem, e virando-me o rosto: “Foi ontem... Levaram tudo...”

Acho que minha expressão de surpresa o tenha encorajado a soltar a língua:

“O “rapa”... Passou cedinho... Estava armando a barraca... Colocaram tudo na caminhonete... Rosas... cravos... margaridas... Eu recolhi umas que caíram...”

Esticou o braço oferecendo-me um vasinho de violetas... “Quer um?”

Aceitei e dei-lhe algumas moedas, esvaziando o bolso...

“Carecia não, senhor!”... pegando todas...

Sem ter o que fazer com as florezinhas, esqueci-as propositadamente no vagão do metrô - meu destino inicial ao atravessar a rua.

Dias depois, ao atravessar a avenida, vi a barraquinha de flores.

Perguntei-lhe quanto ao ocorrido.

Nenhuma resposta além do silêncio num sorriso desconfiado.

Deu de ombros quando lhe falei que sentira sua falta...

Desistindo de saber, ouvi ao virar-me, em tom quase inaudível:

“Gente sem coração! Que mal podem fazer as flores?”

Passei o dia pensando na antiga canção de Vandré.

Pedro Galuchi
Enviado por Pedro Galuchi em 03/10/2017
Código do texto: T6131671
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