São Francisco, um santo 
                   pai-d'égua


     1. Amigos, de 1947 a 1949, estudei em um famoso colégio seráfico. Nele ingressei levado pelo desejo de ser um frade franciscano. Mas, para ser sincero, o desejo era muito mais dos meus pais do que meu. Desisti cedo dos seminários por ondo andei, depois de Canindé. 
     2. Raul e Maria Luiza, meus saudosos genitores, eram católicos praticantes. Como dois legítimos sertanejos nordestinos, sonhavam com um filho padre, não importando a Ordem. Não conseguiram. Eu fora chamado, frequentei o seminário, mas estava entre os não escolhidos. Disse Jesus ao evangelista Mateus: "Multi sunt vocati pauci vero electi". 
     3. O colégio era seráfico porque sob a orientação pedagógica e, claro, espiritual dos frades menores, filhos de São Francisco de Assis ou das Chagas, como queiram. Oferecia um ensino da melhor qualidade; tinha excelentes professores; e seu regime disciplinar era impecável, valendo, aqui, lembrar que seus dirigentes eram frades alemães.
     4. O Colégio Seráfico Santo Antônio (fechado desde algumas décadas) ficava na cidade de Canindé, distante 125k de Fortaleza. Essa cidade, desde sua fundação em outubro de 1898, é um recanto brasileiro eminentemente franciscano. "Aqui, mora São Francisco", dizem os seus moradores.
     5. Sobre ela, escreveu o saudoso Dom Adriano Hipólito OFM, um ícone franciscano: "A cidadezinha cearense de Canindé fica no polígono das secas.  Numa zona árida e queimada de sol. Sem beleza turística. E, no entanto para a basílica do Poverello que aí se levanta, peregrinam milhares de brasileiros, vindos de todos os Estados do Nordeste, do Norte e de mais longe". E encerra dizendo que "é indiscutível que Canindé dá testemunho da graça divina e da santidade de São Francisco".
     6. Orgulho-me de ser ex-aluno do Colégio Seráfico de Canindé. Muito devo aos seus claustros; às suas salas de aula; ao seu dormitório; ao seu refeitório; ás suas quadras de esportes - futebol, basquete, volei; e à sua silenciosa capelinha, que tantas vezes me recebeu, em contritas orações, mormente quando dúvidas insanas, de repente, me assaltavam...
     7. Se alguém me perguntar qual a boa lembrança que ainda guardo dos três anos que passei, como aluno interno, no Colégio de Canindé, direi, sem titubear, a festa de São Francisco, com seu emocionante novenário e belos benditos, todos os anos, de 24 de setembro a 4 de outubro.
     8. Durante esses dias, de intensa movimentação profana e religiosa, a imponente basílica e o colégio eram as principais atrações. Os romeiros, milhares, iam à basílica, rezavam no altar de São Francisco, e, em seguida, visitavam o colégio.
     9. Impressionava-me a fé dos modestos romeiros que chegavam, em enormes romarias, já naquela época consideradas como a maior da América Latina. Pesquisadores admitem que maior do que as romarias de Canindé só as de Assis, na Itália, terra natal do santo seráfico. Portanto, para eles, depois de Assis, Canindé no Ceará.
     10. Impressionava-me como os romeiros pagavam suas promessas, a maioria vestindo o hábito marrom franciscano. Era um espetáculo à parte. Promessas, algumas extravagantes como, por exemplo, passar um dia sem se alimentar; arrodear, de joelhos sem proteção, cinco, dez vezes a basílica, etc., etc. Só os frades e mais ninguém podiam substituí-las.
     11. Nas paredes da chamada sala dos milagres eles deixavam suas fotos, num agradecimento público e inequívoco a São Francisco pelo milagre alcançado, graças à sua intercessão. Ainda agradecendo, na mesma sala eles deixavam réplicas de mãos, braços, pernas, cabeças, em gesso ou em madeira que, por iso ou aquilo, haviam sido molestados e por milagre recuperados.
          Tudo aquilo mexia muito com o garoto do sertão, ainda de uma fé inabalável.  
     12. Faz muitos anos que não vou à festa de São Francisco em Canindé, realizando-se, agora, e amplamente divulgada, o que não acontecia outrora. Não sei se com o mesmo sentimento religioso dos meus tempos de aluno do Colégio Santo Antônio. O mundo mudou! Não é o mesmo de 1947-1949.      
     13.
De  uma coisa eu tenho a mais absoluta certeza: nunca acabará o AMOR dos cearenses por São Francisco de Canindé.
       São Francisco, amigos, como se diz lá no meu Ceará, é um santo pai-d'égua. 

Nota - Na foto, a Basílica de São Francisco em Canindé. Imponente!
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 01/10/2017
Reeditado em 05/12/2017
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