SOBRE AMIZADE.

AMIZADE SEM ROSTO.

Esse veículo que mudou o mundo atual, o computador, com asas de águia, visão da coruja e velocidade de guepardo, encanta e destrói, é ódio e amor, doação e indiferença, mas contraria o juvenil “somos responsáveis por aqueles a quem cativamos”, de Exupery, em ser amizade cativada presencial.

Não existem mais barreiras para a amizade, ela extravasa a proximidade e dá o braço à distância. Não necessita de forma presente corporal para existir e cativar. O que encanta e destrói, visível na percepção mais rude no desfile da vida, desliza no teclado. Quem pode haurir encantamento possibilita o passeio do espírito e suas surpresas. Elas surgem nas amizades sem rosto, antes impossíveis. Se mostram sólidas, são marcantes. Muitas salvaram muitos do ócio, da solidão. Conheço alguns casos. E marcam por marcar o que se escreve. Ficar ficam, não alçam o voo da deslembrança.

São meros retratos, indefinidos, imagens distantes, imperceptíveis. Se falta forma sobra sensibilidade, afeição e força, abundância em generosidade. Já assisti solidariedades desmedidas em casos de doença.

O vocábulo novo, computador, concentra afinidades. Imagens distantes, concêntricas, que se multiplicam na sinceridade, na espontaneidade em dizer, na ansiedade em ser amizade, franca, sem desvios, crescem como círculos concêntricos, desenhando nas águas do rio seus cânticos até às margens do coração.

Seria a mágica das palavras a solidariedade, causa das emoções externadas? Seria fruto dessa amizade sem rosto o ato místico e mágico de escrever, lançar na dança do afeto nosso traço, único no mundo, como nossa digital e o genoma?

Creio e estou que sim, o mesmo meio que deixou vestígio do homem e da humanidade, suas histórias de tragédias e heroísmos, lutas e conquistas, principalmente das liberdades todas, e que nos chegaram com dificuldade por registro na grafia, geram agora uma revolução na amizade.

Aladas, palavras aproximam em segundos os iguais, tecem o rosto da amizade sem rosto, não são mais fumaça onde habitou o sonho, nem cinza de saudade, estão presentes.

Esmeraldino Bandeira dizia que “felizes os mortos que os vivos não esquecem”. E a história não esquece daqueles que dos homens não se esqueceram, e foram amigos da amizade a nós ensinada ter ao próximo, o que agora se multiplica, volátil, atirada como setas que rasgam o imensurável céu da boa vontade. As palavras transportam o coração quando falam à distância, mostram a carga da emoção, muito mais nas amizades sem rosto, amizades desinteressadas, até mesmo da companhia, da presença, são verdadeiras nesse crepitar de bem-querer, nelas paira o silêncio da presença e grita a verdade que não engana. O que é formal se mostra todo, não engana, é prova provada. O ser para existir amando.

AMIZADE. A VELHA INSTITUIÇÃO...

A amizade não é um abrigo de confortáveis experiências, ela nos traz muitas decepções. Não é surpresa e ocorre como fato comum a concorrida decepção que se apresenta com o que se pensa ser amizade. Não sofreria nunca desse mal, conheço o bom e o mau caráter que andam por perto. Estou encouraçado para me defender e conhecer pessoas, é só estar em minha frente, “vis a vis". Conhecendo efetivamente para mim é pura transparência. Não tenho surpresas nem me engano sob esse aspecto. Nunca me enganei, desde jovem.

Para todos estabelecem-se essas tratativas do contexto dos convívios “amigos”, e são deslizados pela existência como turbilhão de enfrentamentos e asperezas, ou prazeres. Nesse curso os iguais admiram-se, os não afins se toleram. É bom que assim seja, vai ratificando a posição de Aristóteles, forte em que a amizade perfeita só pode existir entre os bons. A bondade é o assoalho dessas certezas onde não há possibilidade de escorregar, e cair. É uma coisa óbvia, mas o óbvio é pouco dito e percebido.

Nunca li reflexão mais perfeita sobre esse convívio. Quem não é bom em gênero, não presta, com a ordem natural da vida, só tem desvios, não pode ter amizade, muitos não são amigos nem de si mesmos, como serem amigos de outras pessoas. Não é bom o invejoso, o egoísta, o avarento, o covarde, o mentiroso, o falso que falseia em benefício próprio, ou pela maldita inveja.

Dificilmente alguém tem amizade verdadeira com quem não aprecia em conduta, posturas diversas, apenas convive, não admira por nada ter para admirar. Aristóteles pleno de razão pontificou ser dos bons desfrutar da amizade. O convívio de conhecimento com quem não se admira gradativamente se esgarça, de forma homeopática, mas efetiva, e vão se desatando os nós de uma quase tolerância até então existente por várias circunstâncias. E é um alivio quando esses espíritos escorregadios e pegajosos vão deixando de incomodar.

Estão sempre por perto, dissimulados, andrajosos, são principalmente e sempre pessoas de duas palavras e maximamente mentirosas. Por educação temos que ser recíprocos. Olhem em torno e verão vários acontecimentos desse padrão.

A amizade é diferente do amor, aproximação ou conhecimento. Ter amizade, amar e conhecer são fatos diversos. Todos que são maduros conhecem suas definições.

Convive-se com pessoas que em nada nos afinamos, e até mesmo entendendo-as como portadoras das piores condutas diante das obrigações comuns da vida com o próximo, os conhecidos, os familiares e os que seriam (condicional) seus amigos.

Isso é uma decorrência natural do convívio, conviver com o mau e o bom caráter. É da vida. Em algum momento vão incomodar, vão surgir. Temos que tolerar. Sempre quando de você precisam aparecem.

Para termos a amizade de uma pessoa digna é preciso que tenhamos as qualidades que nela admiramos, com propriedade apontava Sócrates. Por isso é difícil essa admiração e consequente convívio. É como um copo com água límpida, com terra em repouso no fundo. Agitado o copo a água fica turva. É assim a amizade. A terra, a escuridão, não pode estar próxima do que é limpo, bom, a água.

Amizade é a asa de Deus que leva à ascensão, impõe-se que amigos sejam espíritos afins.

AMIZADE E SOLIDÃO.

Perguntado que coisa era mais admirável entre mortais, respondeu o filósofo grego Aristipo, da escola cirenaica:

“UM HOMEM VIRTUOSO ENTRE OS MUITOS ESTRAGADOS”.

Sendo subjetivo o conhecimento, é percepção individual de cada ser humano. E as percepções não podem ser comparadas com percepções dos outros indivíduos. Elas são únicas, sensorialmente únicas.

É difícil mudar essa equação tão longeva. E esse “estragado” que reportou o pensador cerca as personalidades de inúmeros “estragos”. Entre eles dificultar a amizade e reduzir-se à solidão. A amizade traz luz e conhecimento. Não se pode pedir compreensão a quem não compreende, sabedoria aos que estão fechados para aprender, educação aos que não se educaram, civilidade a quem não se civilizou, e amizade a quem não pode ser amigo.

E os não virtuosos são levados à solidão, não a que faz crescer, como nos monges, mas a que leva à doença da alma e da mente. E ficam ausentes de amizade, necessidade humana.

Ficam insulados, fechados em suas teias que enredam hábitos singulares, são invejosos, egoístas, traem a todos, não lhes compete valor que não seja em benefício próprio.

Muitos são incapazes para a vida civil, daí a postura, por desordens psíquicas, e por vezes interditados por seus familiares, quando é alto o grau da impossibilidade de convívio ou arbitrar a vontade.

A irresponsabilidade tem graus diversos. Já vi nesse mundo chamado “internet” variantes de todas as espécies. Internautas amigos me pediram para escrever sobre essas personalidades, umas doentias que se manifestam pela inclinação ao suicídio, outras sem esse filão de insanidade, mas com fortes traços de irresponsabilidade pessoal e discernimento, o que demonstram com tranqüilidade.

Tem sido noticiado o curso dessas patologias na internet, inclusive criminosas. Se doentes, escapariam da lei, não são responsáveis e tal situação é inferida de suas manifestações. Veja-se, jornalista simulou ser uma navegadora da WEB e disse querer se matar, pediu auxílio e muitos sugeriram vários meios e modos de conseguir seu intento, ninguém tentou demovê-la da ideia. Era o claro crime de induzimento ao suicídio.

A internet tem como um grande laboratório, loucos de todos os gêneros, como na vida em geral, onde não se caminha como na Suiça, nos rincões, protegido pelo “princípio da confiança”, pois se espera de quem convive um padrão de comportamento mínimo. Todos se conhecem. Isso projeta-se nas grandes cidades suiças. Você sabe quem está ao seu lado.

Mas é um grande anfiteatro a internet, onde a “Amizade sem Rosto”, que não permite a solidão aos que vivem enclausurados, como em artigo que fiz, pode também surgir e até se fortalecer. O artigo referido que está no site, por vontade de amigo, saiu no maior Jornal Católico do Brasil.

Precisamos ver onde está a virtude e lhe dar curso, aumentar a rede de amizade de quem recepciona e troca interlocução que edifica, e é virtuoso. Para melhorar o mundo, é uma grande forma de humanismo.

Quando alguém está longe da virtude, isto fica claro para quem a tem, os opostos avistando-se ficam mais claros.”Extrema si tangunt”; os extremos se tocam.

São Bernardo, ensinava: “Uns sabem só para serem sabedores, e é soberba; outros sabem para serem sabidos, e é vanglória; outros para ganhar, e é avareza; outros para se edificar; e é prudência; outros finalmente para edificar o próximo, e é caridade”. Creio que muitos estacionem nas duas primeiras classes e poucos cheguem nas duas últimas.

O virtuoso, por todos os motivos, nunca será só, promove a amizade, é antes de tudo caridoso.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 01/10/2017
Reeditado em 01/10/2017
Código do texto: T6129785
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