A menina que parou o tempo

O Boeing 737-500 decolou do aeroporto de Congonhas suavemente. O vôo da Varig com destino a Ilhéus e Salvador seguia tranqüilo, indiferente aos passageiros que se amontoavam nas salas de embarque com destino ao Rio de Janeiro. Segundo os serviços de alto-falantes de Congonhas, o aeroporto do Rio de Janeiro amanhecera fechado por causa da nebulosidade, e as pessoas que seguiam para lá estavam todos retidos, aguardando melhora no tempo.

Entretanto, o vôo para Ilhéus não fora afetado, de modo que eu estava acomodado confortavelmente numa das poltronas do corredor à esquerda da aeronave, e procurava uma revista ou jornal para passar o tempo. A previsão de chegada ao aeroporto de Ilhéus era para as 14:0 horas, de modo que no máximo as três da tarde esperava estar em casa. Daria tempo para passar na empresa para ver se estava tudo bem, atualizar alguns arquivos do computador, e ainda poderia descansar um pouco, e matar a saudade da casa antes de seguir para Salvador.

Havia ao meu lado um lugar vago e no assento da janela uma pessoa, a quem até aquele momento não tinha dado a menor atenção. Estava quieta, encolhida em sua poltrona, assim como quem está com medo de alguma coisa. Entretanto só pude perceber isto, muito tempo depois quando o comandante informou pelo alto-falante da aeronave que um dos motores havia apresentado um pequeno problema e que por medida de segurança ele tinha tomado a decisão de retornar até o aeroporto do Galeão, onde nós seríamos informados pelo pessoal de apoio em terra de maiores detalhes de como nós seríamos conduzidos até o nosso destino. Imagino que aquela informação deve tê-la deixado bastante abalada. Olhou para mim e balbuciou algumas palavras que não consegui compreender.

Chamou minha atenção, os seus olhos claros, inocentes, quase de uma criança. Seu brilho irradiava uma alegria interior, que se recusava a ser ofuscada pelo tom indignado que tentou imprimir na sua voz. Nela havia um medo mal disfarçado, mas o seu olhar, olhar de criança levada, se sobrepunha de tal modo que não consegui compreender o que dizia, mesmo quando repetiu a frase anterior.

- O que disse?

Perguntei. Depois, imaginando o que ela poderia estar sentindo numa situação como aquela, procurei acalmá-la.

Entretanto eu não conseguia prestar atenção no que ela dizia. Seus olhos claros, castanhos, límpidos como uma gota de orvalho, prendiam toda a minha atenção. Balbuciei algumas palavras, que na hora me pareceram adequadas, mas sinceramente já não me lembro mais nada do que disse.

Seus olhos falavam da sua infância, e da sua alegria de viver. Faziam lembrar-me da infância, da saudade que tenho dos tempos de criança, das cadeiras de balanço, do pé de caju, da jaqueira e do pé de tangerina, do rio de água cristalina com sua ruidosa cachoeira e da Lassie, minha cachorrinha. Não dava para prestar atenção nas suas palavras, só nos seus olhos, que falavam de sonhos de criança, do amiguinho quase primeiro namorado, das cantigas de amor, dos versinhos escondidos no caderninho.

Quando a aeronave pousou no Galeão, fomos orientados para seguir imediatamente numa outra aeronave que tinha como destino a cidade de Salvador. Fomos informados que de lá seguiríamos num vôo da TAM até Ilhéus. Em Salvador teríamos que aguardar cerca de uma hora até a hora do novo embarque. Eu pensei em ficar, já que naquela mesma noite eu teria que embarcar num ônibus partindo de Itabuna com destino a Salvador, mas havia aqueles olhos, olhos indescritíveis, olhos de garota levada, que me encantava e embotava os sentidos. Eu não poderia deixar de acompanhá-la.

Atrás daqueles olhos de criança, havia uma linda mulher. Cabelos castanhos, quase loiros, caídos no ombro, cintura fina, magra, pequena, e com um jeitinho lindo no caminhar. A idade era impossível adivinhar. Talvez tivesse trinta anos, talvez mais um pouco, que importa? O tempo parou no seu olhar. O tempo só existe para os outros. Pra mim os seus olhos de criança dizem que não tem ainda idade para namorar...

Se quisessem, os seus olhos poderiam me fazer voltar no tempo.

Seu nome é Elisabete, mora em Alphaville, deu-me o seu telefone e o seu e-mail. Explicou o porque daquele endereço eletrônico: - É que componho música, sabe? Às vezes os seus lábios falam a linguagem dos seus olhos. Mas, o que dizem os seus olhos sobre o futuro? Você vai responder ao meu e-mail? Se eu telefonar, você vai se lembrar de mim? Mas os seus olhos de menina levada só respondem debochando:

- Experimenta!

Se você soubesse o que se passa no meu coração não brincava assim comigo.

Atrás daqueles olhos de criança levada, havia uma mulher educadíssima. Sorriso na boca, aperto de mãos.

- Apesar das circunstâncias lamentáveis foi um prazer conhecê-lo. Disse, ao se despedir.

Os seus olhos não viram o aperto do meu coração. Vão passear por Ilhéus, vão caminhar pelas praias, vão sentir nos calcanhares a maciez da areia branca. Conhecer jovens alegres e lugares bonitos.

Aqueles olhos de criança me fez novamente adolescente.

Aqueles olhos de criança, quando os verei de novo?

Aqueles olhos de criança, quando terá idade pra me namorar?