O Comendador Corinto Sarno

Falei para Eduardo Sarno, o primo historiador, que estava devendo crônicas sobre o meu tio Corinto e da família Sarno. Na verdade, ele tem as histórias prontas e devo incentivá-lo a publicar algumas delas. Não dá pra falar ao mesmo tempo de toda a família. Tem assunto pra mais de um livro.

Eduardo é carente de histórias de Poções, exatamente da época em que viveu fora. Estudava no seminário de Amargosa e depois ganhou o mundo. Passou um bom tempo longe de casa, longe dos meus tios. Quando conto algumas passagens deles, há nos seus olhos um brilho especial.

Corinto Sarno, nascido em 1899, em Mormanno, na Itália, veio para Poções com 28 anos de idade, chamado pelo irmão Vicente e atraído pelas histórias contadas por Tio Chico Sarno (irmão do vovô Fedele - patriarca da família) que viveu na nossa região em 1890.

Retornou à Itália e conheceu aquela que se tornaria a sua esposa, a minha tia Anina, irmã do meu pai Chico Sangiovanni. Casou-se depois de um pequeno tempo de namoro e voltou ao Brasil.

Esse fato é marcante. O casamento dos meus tios mudou o destino da nossa família. Minha tia chamou meu pai e ele veio morar no Brasil. Teve a oportunidade de dizer não, mas seguiu em frente. Arrumou os baús e se mudou para Poções com minha mãe e meus irmãos. Decisão corajosa, pautada na confiança que adquirira no cunhado, apenas com as cartas que recebia da irmã. E essa confiança se transformou em uma relação de respeito e admiração que se mantém até hoje entre nós, primos.

Também mudou a vida dos que ficaram na Itália. Miminna, irmã de Chico e Anina, aos 97 anos de idade, ainda brada com Cristóvão Colombo por ter descoberto a América e roubado os seus irmãos. Na verdade, foi seu Corinto quem descobriu.

Essa mudança do destino me deixa orgulhoso por nascer e viver em Poções. Me deu, também, a chance de ter duas pátrias. No primeiro semestre deste ano obtive a cidadania italiana e, agora, com o peito cheio, comparando com o futebol, posso dizer que chuto com as duas pernas.

Voltando ao meu tio, ele foi daqueles em que se enquadrou na máxima: “atrás de um grande homem, tem sempre uma grande mulher”. Assim, os dois, marido e mulher, se tornaram os grandes personagens da nossa família.

Corinto, ao longo da sua vida, foi um dos maiores empreendedores que Poções já viu. Um extraordinário líder. Ser humano de coração boníssimo. Exemplo que ficou na mente daqueles que conviveram e que desfrutaram dos seus conselhos e das inúmeras qualidades como simplicidade, virtude, seriedade, honestidade e do respeito pelo outro. Gestos que desencadeavam uma reciprocidade natural.

Era comum encontrá-lo às 7 da manhã, já de paletó e gravata, andando pelas ruas da cidade. Havia feito a inspeção das obras do hospital, passado pela Igreja e fiscalizado outras obras de particulares, sempre dando uma opinião segura e econômica. A essa hora, já estava com o paletó dobrado no braço, deixando ver a marca registrada – o seu suspensório.

No fundo da Casa Sarno, havia um escritório todo montado onde recebia as pessoas para tratar de assuntos comerciais, pessoais, etc. Na mesa ao lado da dele, me atrevia a fazer companhia durante o expediente. Me deixou aprender a datilografar na máquina Olivetti. Em troca, eu colava o dinheiro velho que era recolhido da venda diária da loja. Me chamava de “periquito” como fazia com todos os seus sobrinhos.

Era de pouca conversa e eu ficava admirando a paciência na sua rotina, anotando todos os detalhes naqueles livros razão, conta-corrente e caixa. Na verdade, muita gente não confiava no banco e guardava o dinheiro no cofre de seu Corinto. Ele não emprestava dinheiro, se alguém precisava de alguma quantia, tratava como se fosse um adiantamento e administrava como uma conta corrente.

Depois dessa convivência, adquiri a sua confiança e me escolheu como “cobrador” da Companhia Telefônica de Poções, que também foi fundada e administrada por ele.

Na sua casa, havia uma cadeira de balanço e eu era um dos poucos autorizados a sentar nela. Tinha o direito de mexer na sintonia para ouvir a rádio Mundial, de Alziro Zarur, e depois voltar para os 1220 khz da rádio Globo, no ponto para ele ouvir, antes das sete, o “Repórter Esso” e na seqüência “A Voz do Brasil". De palito na boca, alternava entre um cochilo e a notícia até as oito da noite, quando era chegada a hora da “passeggiata” (passeio) com minha tia.

O trabalho de Corinto era em silêncio. Não havia a necessidade de espalhar ou divulgar o feito com o objetivo de engrandecer. Quando menos se esperava, a obra já estava sendo iniciada, a providência já estava tomada.

Certo dia, em 1965, vi uma multidão subindo a rua da Itália e à frente estava o meu tio, parentes, o padre e as autoridades seguidas pelo povo. Era próximo do meio dia. Sai em disparada para ver o que acontecia. Soube que ele recebera da Santa Sé o título de Comendador. Acredito que tenha sido um dos maiores títulos de reconhecimento que alguém já recebeu em Poções.

Pedro Sarno, o filho mais velho, relata no seu livro “Foi tudo tão de repente...” o comentário feito pelo meu tio sobre a comenda: “Para mim não precisava, o que posso fazer cumpro como um dever”.

Assim foi feito. Fez a igreja, recuperou o hospital, trouxe desenvolvimento para a cidade, deixou marcas, virou Comendador. Lá no bairro do Tigre, meio escondida, tem a rua Corinto Sarno, certamente como ele gostaria que fosse, sem muita aparência, sem muita propaganda.

Ele e tia Anina deixaram para nós as pérolas, seus filhos: Tereza, Pedro, Aurora, Ada, Noêmia, Zé Fidélis e Eduardo, todos de coração poçõense.

Luiz Sangiovanni
Enviado por Luiz Sangiovanni em 18/08/2007
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