A tia Ana e o terço depois do almoço
Depois da hora do almoço a tia Ana chamava todos de casa para rezarem, o terço e agradecerem a Deus pelo lauto repasto. A tia Marica não gostava muito de reza porque o seu hábito cotidiano era a boa leitura que ela fazia sempre. Eu tinha uns doze anos e não sentia nenhuma paixão pela reza nem mesmo pela igraja como fazia tia Josefa que sempre estava ali a rezar.
Fui criado nesse ambiente carola, e nunca quis seguir o rumo da igreja embora eu a respeite com todo carinho. Com a tia Marica eu aprendi a ler muito novo, e os livros me levaram por outro caminho bem distante da igreja. A tia Ana tinha muita admiração pela igreja mas não vivia dentro dela como fazia a tia Josefa que sempre acompanhava a igreja e todos seus mvimentos religiosos. Ainda muito jovem comecei a sentir os pendores literários e amor pelos livros. O livro que dá sabedoria me afastou por completo do universo religioso, tão venerado pela tia Ana e sobretudo a tia Josefa. Na casa do meu avô onde fui criado havia sempre o terço, a novena, a via sacra e outros movimentos católicos. Quem estava a frente de todo esse movimento religioso era a tia Josefa e as vezes a tia Ana também fazia parte desse trabalho teológico. Eu sempre quis ser artista, poeta e meio literato. Eu tinha tudo para ser um beato porém o livro me mostrou outro horizonte mormente outros fins pelos quais tenho me batido muito. O ambiente que me projetei era muito carola e só o livro me deu discernimento para eu seguir o rumo da minha vocação literária. Sem o livro e a tia Marica eu teria me tornado um rezador carola e nada mais. Castro Alves me ensinou o grito da liberdade, Victor Hugo me levou a pensar nos miseráveis, Jorge Amado me deu novo horizonte, Kafka me obrigou a pensar no imaginário mégico e com Augusto dos Anjos aprendi a ter repúdio a própria vida. Já li centenas e centenas de compendios mas leio também a Bíblia, embora com um olhar literário e não religioso. Meu escopo nesta vida é a literatura e deixar para a geração vindoura meu legado artístico de homem pobre, no entanto respeitador de todo pensamento humano. A tia Ana levou consigo a paixão pela igreja, pela vida religiosa no amor a Deus. Até hoje eu não me preocupei com ir para o inferno ou para o céu. Minha maior preocupação foi e será a minha arte literária que fica bem longe das questões religiosas, tão a gosto do nosso povo. Onde estarão as minhas tias rezando nesta hora?