A culpa é da mãe!

Eu que sempre andei a pé por tudo quanto é canto, por conta de uma fratura, fui obrigado a pegar táxi. Tomei táxi para cima e para baixo, tomei táxi até mesmo para ir à esquina comprar pão. A vantagem é o conforto e o comodismo. A desvantagem, além do óbvio rombo financeiro, é ter que escutar as histórias dos taxistas.

Os taxistas, coitados, vivem o dia inteiro enfrentando o caos do tráfico, com a coluna afundada no assento, de forma que estão loucos para relaxar e aliviar a tensão, ainda por cima com alguém que como eu, ouço mais do que falo, sou cordato, conciliador e procuro agradar, isto é, somente nestes casos, porque, em outros... mas, isto é outra história.

A maioria das histórias dos taxistas é chata, cheia de lugares-comuns, clichês e preconceitos, como, aliás, a maioria das histórias da maioria dos mortais. Mas esta vale a pena ser recontada.

Entrei no táxi e após os cumprimentos habituas e o endereço do destino, o taxista começou a manipular o celular que estava preso no painel do carro. Uma voz surgiu para quebrar o silêncio do ar condicionado, pois os vidros estavam fechados e só se ouvia o sussurro do vento passando pelas aberturas do painel: “Você não imagina, meu filho, minha cabeça está pegando fogo. Fui ao banco pagar a prestação da geladeira e o seguro e, depois, fui na administradora pagar o aluguel. Vou deixar de pagar a "Net" e o telefone porque não deu. Depois a gente vê. Não sobrou nada, só cinqüenta reais. E ainda estamos no meio do mês. Acho que vou para a casa da Maria Lúcia passar umas semanas lá, ou então, passar o resto do mês no pão e ovo.”

Eu, meio encabulado de estar participando da vida intima e familiar de alguém que não conheço, resolvi, para desanuviar, generalizar. O geral é sempre vago e difuso e, portanto, menos dramático que o particular. “A situação está braba, o desemprego alto, lojas e empresas fechando. Ninguém mais tem dinheiro para pagar as contas, só que elas não param de chegar. Está assim para todo mundo. Todo mundo não, porque tem uns salafrários que estão se dando bem!”

“É verdade” respondeu o taxista, também cordato e conciliador, mas, depois, pensando bem, achando que o geral não era tão geral assim e que tinham algumas questões mais particulares que valiam a pena ser contadas porque afinal, é o particular que dá tempero à vida, ajuntou: “só que ela reclama muito. Acabou de fazer uma viagem para o Recife e no próximo final de semana já vai fazer outra. Mora em casa alugada, mas tem casa própria que ela deixou para a filha, e, no entanto, o andar de cima está vazio.” E para reforçar a argumentação, acrescentou: “Antes desta chamada ela tinha me mandado um "zap" pedindo para eu depositar cem reais. Telefonei pro meu irmão e ela fez o mesmo com ele. Meu pai já dizia que dar dinheiro na mão dela é o mesmo que jogar fora. Tudo que ela tem, ela gasta.”

Eu, sempre a fim de concordar e conciliar, mudei o discurso. Do país e da crise nacional, passei para a mãe, que, na verdade, é o inicio e o fim de tudo. Não é para os braços da mãe-terra que a gente vai depois de morto? Depois, já fora do táxi, eu pensei: quem sabe se a fratura que tinha ocasionado tudo, me feito andar de táxi e escutar as histórias dos taxistas, não era também culpa da mãe?