"O incalculável pó que foi exércitos"
As mudanças me assustam sim. Não era para acontecer porque em meio século de vida dá bem pra compreender que tudo muda o tempo todo irremediavelmente. E a impressão que se tem é que a velocidade das mudanças aumenta ao correr do tempo como uma esfera, acossada pela força da gravidade, que rolasse uma ladeira. Pobre de quem deseja acompanhar as mudanças e mais pobre ainda de quem não o deseja. Faço essas reflexões enquanto aguardo o coletivo no mesmo ponto e horário de todos os dias depois do expediente. No ponto do outro lado da avenida de faixas separadas por canteiros passa todos os dias invariavelmente cinco minutos mais cedo que o ônibus que tomo, outra linha que também é opção para mim, mas estou tão acostumado com este ponto, com o velho veículo sacolejante, o itinerário, os passageiros, o motorista e o cobrador, que não me arrisco a atravessar a rua. Vou ficando por aqui que certas economias podem custar caro. Que valem cinco minutos, afinal?
Não é de todo prejudicial ser detido alguns minutos pelas circunstâncias de pé numa calçada. Atitude que eu jamais teria caso não fosse forçado, mas já que o momento ocorre diariamente e não há nada que eu possa fazer para evitá-lo, tenho tirado dele o máximo de proveito, juntando este tempo com os outros trinta minutos que passo na poltrona desconfortável do coletivo na volta para casa, enquanto as imagens entediantes do centro da cidade passam pela janela, tenho um intervalo que me dá o direito de filosofar e penso na importância das imposições da vida.
“Nada existe de permanente a não ser a mudança”, o pensamento é de Heráclito, um filósofo que nasceu na cidade de Éfeso, por volta de 540 a.C.. Em Éfeso, antiga colônia grega, região da Jônia na Ásia Menor, atual Turquia, nasceu uma das primeiras comunidades cristãs que mereceu a atenção de Paulo numa de suas conhecidas missivas, abrigava o Templo de Diana, segundo os Romanos, Deusa dos Bosques, protetora das caças e dos animais selvagens, foi o maior e o mais significativo templo do mundo antigo construído na civilização Grega. Possuía 127 colunas de mármore em estilo jônico, com 20 metros de altura cada uma, 138 metros de comprimento por 71,5 metros de largura. Foi construído para a Deusa Ártemis no século VI a.C. por Creso, Rei da Líbia, no porto mais rico da Ásia Menor. Levou 120 anos para ser terminado. Inicialmente era um templo pequeno e foi ampliado muitas vezes. Centenas de sacerdotisas virgens trabalharam na sua construção, acreditando na superioridade feminina. 200 anos mais tarde, um grande incêndio o destruiu. sendo posteriormente reerguido por Alexandre III da Macedônia, e então, outros ataques foram sofridos. Atualmente, após saques e terremotos, somente uma solitária coluna se mantém em pé.
De todos os versos que já li ou ouvi ao longo da minha vida de ledor voraz o que mais me impressionou foi o de um poema de Jorge Luis Borges intitulado As causas: “O incalculável pó que foi exércitos”. Ele me ocorre sempre que sei ou me lembro de algo ou alguém estupendo que foi revertido ao seu nada original. Puxo o cordão da campainha e concluo: Heráclito, afinal tinha razão.