O MARTELO DAS FEITICEIRAS

Quando termino de ler um livro, normalmente, faço a recomendação do mesmo para os facecoleguinhas porque acredito que o hábito da leitura é o melhor exercício que podemos fazer com nossos cérebros.

Esse martelo, cujo título em latim é MALLEUS MALEFICARUM, foi escrito no ano 1487 por dois padres, Heinrich Kramer e James Sprenger, inquisidores devidamente autorizados pela santa sé e que serviu de guia para muitos outros inquisidores naqueles anos da idade média, onde grassavam a superstição, a ignorância, o preconceito, a intolerância, a falta dos conhecimentos que hoje consideramos elementares numa sociedade de poucos privilegiados e muitos desassistidos, presas fáceis da religiosidade doentia e da bestialidade do ser humano, num ambiente promíscuo e insalubre pela ausência de instrução formal e dos princípios básicos de higiene.

A igreja católica apostólica romana, herdeira universal e prolongamento do império romano, fez questão de manter a hegemonia sobre os conquistados, mas pela visão estreita e arrogante dos papas, na ilusão de serem os detentores da verdade universal, não souberam agregar os conhecimentos dos povos, como os césares sempre o fizeram.

Naquela época a expectativa de vida da população girava em torno dos quarenta anos, portanto as uniões ocorriam entre pessoas inexperientes em tudo.

A falta de higiene nas casas, ruas e ambientes comuns para animais e humanos;

os rigores do clima;

a contaminação e escassez dos alimentos;

o altíssimo índice de mortalidade infantil, de parturientes e de homens por conta dos extenuantes trabalhos braçais e as muitas guerras por toda Europa, isso tudo fazia com que as mulheres que, na maior parte do tempo, ficavam sós nas aldeias precisassem se auxiliar mutuamente e buscar com as mais velhas os conhecimentos da medicina fitoterápica, em chás, poções, tinturas e unguentos que foram usados pelos antigos celtas, mas que os inquisidores consideravam artes do demônio, figura central e principal personagem cultuado desde a primeira página do livro.

Então tudo o que não fosse reza, vela, procissão, confissão e comunhão era ação demoníaca e o praticante devia ser queimado vivo na fogueira para purificar a alma.

Há que se considerar também o interesse econômico, tanto da igreja quanto dos denunciantes sobre os bens do denunciado;

do machismo exacerbado daquela sociedade patriarcal, onde toda mulher era associada à Eva e sua familiaridade com o demônio que segundo o texto bíblico, Eva e seu coleguinha satânico, levaram Adão a cometer o pecado original que é a causa primordial de todos os males da humanidade;

o sadismo explícito nos exames dos órgãos genitais e uso de equipamentos de torturas a fim de “estimular” a confissão dos crimes de bruxaria praticados.

O livro está repleto de citações bíblicas e de teólogos doutores, como S. Tomás de Aquino, Stº Agostinho e outros de menor importância e, principalmente, afirmações pueris, como a que diz que Jesus não faz cocô;

feitiços com o uso de bonecos, trouxinhas de pano e ferramentas enterradas nas portas das vitimas ou simplesmente palavras ameaçadoras;

lendas como a da geração espontânea (animais surgirem de matéria orgânica em decomposição) e de que sapos, cobras e ratos podem ser “criados” por bruxas por serem animais impuros...

Mas ficaram de fora o “perdão dos pecados” e o “amor ao próximo” que são esteios da fé cristã.

Infelizmente, nos dias atuais, estamos vendo por toda parte e, principalmente, dentro das igrejas os mesmos sinais da intolerância que deram origem à santa inquisição e à caça as bruxas, por isso acredito que brevemente teremos o retorno do Frei Tomás de Torquemada e muita lenha sendo queimada.