O poeta é um fingidor

Eu gosto de escrever. Pudera, estou fazendo isso agora mesmo. Existe aquela máxima “escrever é fácil, você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto”. Não se sabe a paternidade dessa citação, já vi gentilicarem ela desde Neil Gaiman a Saramago. Tudo bem, vá lá, sejamos reducionistas e com isso incentivar quem gostaria de começar agora. É tão simples, afinal.

Ao escrever para a internet – afinal você quer ser lido, o ego do seu eu-lírico é algo a ser psicanalisado – você pode descobrir que existem diversos concursos literários, com inscrição pela internet e grátis. Ora, é uma baita vitrine. Ainda que alguns desses concursos sejam questionáveis, do tipo que não dá uma data de entrega de resultados, o que te faz buscar diariamente até descobrir que o concurso fora cancelado. Mas ei, é de graça e ninguém te deve nada pelo seu esforço. Você o fez pela arte, né? Achei que não.

Com isso, os concursos mais populares possivelmente são os de poesia. Poesia é fácil, é curto, hoje nem precisa mais rimar. Escanção, quem liga? Até que vem o conflito: se por um lado existe a facilidade de escrever qualquer coisa, bem como do próprio gênero em questão, de outro existe lirismo. E isso não tem como ser ensinado. Por mais pós-moderna que seja a poesia, alguns elementos fazem dela incríveis: além da rima, inclua ritmo e faça mágica com metáfora, analogias, figuras de linguagem, neologismos. Complicou.

Poesia é um gênero bem popular na internet. Eu vejo pelo menos dois grandes grupos que compõem a massa de web-poetas. De um lado, adolescentes que se interessam por literatura. É ótimo, é um bom começo, para então ter uma escrita consolidada daqui 30 anos (ainda chego lá. Quantas vezes você já viu moleque nem na casa dos 20 lançando romance? Acontece. Não li algum deles. Nem acredito que já são grandes autores. Acredito que possam estar a caminho de o serem. Só daqui algumas décadas. Como no caso dos poetas adolescentes, tudo precisa começar de algum lugar). Também, o que eu vejo – e não é regra, apenas percepção – é que esses jovens eu-líricos dão muita vazão aos sentimentos. De forma exagerada. Fica um desequilíbrio entre emoção x literatura. Daí surgem grandes versos angustiados, tristes, deprimidos. Quem nunca? Não é só sentir e botar pra fora? Não. Relembra Pessoa. Tá ali no título desse texto. Tanto quanto botar pra fora, literatura também é editar, mesmo que isso mate o sentimento do seu eu-lírico ao buscar aquela figura de linguagem ou um trocadilho excepcional em que uma só palavra muda todo o sentido do texto que vinha sendo feito até ali. E que ainda por cima rime.

O outro grupo é o de pessoas mais velhas, senhores e senhoras. Escrevem sobre amor e religião. O Recanto das Letras tá cheio disso. Algo muito cândido muitas das vezes, seguido de um gif que brilha estrelas e tem uma imagem de uma flor ou uma pomba. Diferente do extremo dos jovens, os senhores e senhoras já passaram por esse período de angústia e agora ressaltam o quanto a vida é boa e se deve ter alegria por estar vivo, ser grato pelas pessoas ao seu redor. De novo, falta o cinismo de ser um fingidor para escrever literatura (isso àqueles que tenham essa pretensão, o que imagino não ser o caso de todos). Nada contra, porém, é só mais uma forma de começar com letra maiúscula e terminar com um ponto. Ou nem isso, visto que se trata de poesia.

Sendo justo, eu passei pela fase do adolescente angustiado e espero não chegar no outro lado dos senhores gratos pela vida. Nesse meio tempo, descobri a prosa. Gostei da liberdade que ela proporciona. Meu eu-lírico não parece muito interessado em rimar e fazer jogos de linguagem, por mais que trocadilhos surjam na minha cabeça com alguma frequência. Eu desencantei do mundo, acho tosco – para mim, hoje – a angústia juvenil e a felicidade geriátrica (embora compreenda que isso é muito importante para cada um deles respectivamente). Só a prosa (me) salva. A prosa é o lugar do desgraçamento (embora haja coisas do tipo prosa poética). Dá pra fingir um eu-lírico em gêneros de prosa. Mas na crônica é a cara a tapa que se serve ao leitor. Ainda esses dias, desencantado, fiz um poema de nome “Poema Normal”. Eu pego o desencanto e digo aos pseudopoetas: clama, cara, a vida não é tudo isso aí não. É rotina, acordar cedo, pagar boleto. “Que triste” alguém pensa. Obrigado pela graça alcançada. Talvez seja o mesmo efeito pretendido por versos pesados carregados de sentimentalismo que só o eu-lírico do autor entende, enquanto torce para que o leitor se identifique. O que eu tentei fazer foi aproximar o leitor da nossa chatice cotidiana. Nenhum fingimento.

GaP
Enviado por GaP em 26/09/2017
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