Perdi a virgindade na curva do rio
“Aguadeiro” é o mercador de água nas comunidades sem saneamento básico. Profissão quase extinta, lembrei da dita cuja ao ver a fotografia acima, postada por alguém no Facebook. Em passant, evoco o enunciado sinistro: sessentões quando começam a rememorar o passado, alguma coisa vai mal.
Eu era rapazinho de seus doze anos, ajudante de “aguadeiro”. Meu primo Adiel era orgulhoso possuidor de seis ou sete burros e burras, tropa especializada em transportar água das cacimbas do rio Paraíba para as formas, tanques e potes da população sequiosa. Passávamos o dia enchendo e esvaziando latas, tangendo jumentos no chicote e no grito. Era um clamor maluco na beira do rio e pelas ruas da cidade. Dezenas de aguadeiros e seus jumentos a gritar, a zurrar, a relinchar e principalmente sujar as ruas com aquele excremento verdinho e de formato esquisito. Sendo a grande vocação nacional a chacota maliciosa, mesmo inconveniente para essa crônica sonhadora e metida a memorialista, repasso a velha piada abaladora daqueles chatos entendedores de tudo, as “enciclopédias ambulantes e vazias”. Pergunta-se ao aporrinhante falso experto como tirar a raiz quadrada de um número negativo da popularidade de Temer. Aí, lasca-se a interrogação manhosa: “por que os burros cagam quadrado se os seus cus são redondos?” Não dá outra. No vácuo da indecisão do sabidão, a gente desacata: “Se não entende de merda de burro, vai entender de que?”
Me lembro que naquelas praias saborosas do rio Paraíba morava nosso universo prazenteiro dos verdes anos. A “pelada” debaixo da ponte, onde eu era famoso pelo potente chute de direita e a marcação competente com a bola “dente-de-leite”, as pescarias dos pequenos guarus para frituras inábeis, as primeiras lascívias diante da incontinência das lavadeiras de roupa mostrando suas calçolas aos meninos inocentes, o estrépito das cavalgadas loucas dos jumentos no cio, os burros cobrindo as parceiras com suas jebas imensas, as experiências dos garotos mais velhos com as burrinhas mais dóceis. Era nosso desenvolvimento psicossexual aprimorado pelo universo bestial dos jegues aguadeiros e as humildes lavadeiras com seu charme rústico.
Admito que jamais me derreti com os carinhos de uma jumentinha mansa. Zoofilia não foi minha praia. Especialista em cubar os lances das senhoras lavadeiras, fiz curso intensivo de onanista nos intervalos das viagens com a tropa. Fiz-me conhecido pelas lavadeiras, um pequenino devasso com habilidade manual. Por meu notório saber na arte da masturbação, encantava as matronas, desvanecidas pelo poder rudimentar de atrair imberbes concubinos quiméricos.
À medida em que a metamorfose da vida ia operando no meu corpo, crescia a curiosidade de provar daqueles segredos sedutores guardados nas calçolas das madames lavandeiras. Um fato era patente: quando mais provecta, mais acessível era a lavadeira. Uma delas, de seus sessenta anos, me flagrou prestando atenção nas suas partes de baixo. “Nunca viu a barata não, meu filho? Quer ver de perto, venha”. Eu fui.
Envelheci e o rio nunca mais encheu cacimbas. Os jumentos são raros e as lavadeiras só deixaram o trajeto de suas jornadas voluptuosas rio abaixo na minha memória de guri. Percebo que a felicidade era aquela velhinha sorridente e dadivosa, humildemente lasciva, de rugosas e tentadoras pétalas, nutrindo-me nas primeiras vibrações de menino homem. Eu era um ser livre. No arcabouço e no mistério do nosso interior, sempre sobrevive um pedaço desse moleque. Não pode ditar os rumos da vida, mas ameniza alguns tremores e rangeres de dente. Se bem que tem gente que esqueceu de nascer. Esses, não carregam nenhum moleque descarado e um tanto ninfomaníaco.
Perdi a virgindade na curva do rio, no poço do aprazimento senil, o que é uma rima torta sem chegar à solução. O jeito é botar o ponto final com o verso de Bráulio Bessa:
Nem toda curva da vida
Tem uma placa de aviso
E nem sempre o que se perde
É de fato um prejuízo.
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