Tem Algum Escritor Aqui?
O doce aroma do bife à parmegiana transgredia minhas narinas e despertava fugazmente minhas papilas gustativas.
Foi nesse súbito momento que observei o indivíduo solitário que sentava na mesa ao lado: aparentemente, um maltrapilho. Coçava a cabeça insistentemente, parecia bêbado e choramingava como um provável candidato a suicídio.
Não pude deixar de me sentir instigado: “Porque esse homem chora?” — Pensei. E fiquei tão impregnado com isso que nem sequer toquei na comida! Mas não suponham que senti pena do moço, a verdade é que o jeito como ele colocava suas lamurias para fora, gemendo e pigarreando de maneira repetitiva, me causava, sobretudo, hilaridade.
Em meio ao pranto, de supetão, o homem deu um soco na mesa e levantou-se rapidamente. Me assustei, achei que tivesse percebido que eu o gozava, mas para minha surpresa, ele enxugou as lagrimas, tentou arrumar o cabelo e, por fim, esbravejou em alto e bom som: — Tem algum escritor aqui?
Todos levantaram das mesas e viraram seus olhos para o pobre cidadão, mas absolutamente ninguém teve coragem de lhe dirigir a palavra. E assim o silêncio reinou durante 10 segundos, até eu me dar conta de que havia erguido, timidamente, a mão.
— Você aí, você é escritor? — o homem balbuciou rapidamente.
Antes que eu pudesse responder, percebi que os holofotes apontavam para nós dois, não sei porque, mas aquilo me incomodou profundamente!
Pensei em sair dali imediatamente, mas senti que não podia. Só me restava então responder a pergunta: — Sim, sou escritor!
Foi aí que senti que o público presente havia se entregado a perplexidade, e o silêncio havia voltado a pairar sobre o lugar, só sendo quebrado quando uma criança que estava ao meu lado sussurrou: — o que será que eles vão fazer agora?
Estava tão curioso quanto todos! Porque diabos o fulaninho desesperado queria um escritor? Será que ele queria que eu escrevesse seu testamento ou suas últimas considerações?
Minhas indagações foram interrompidas pela resposta do maltrapilho:
— Minha mulher me deixou e quero lhe escrever uma carta…
O homem não conseguia conter as lagrimas, esforçava-se, mas a lástima regia seu comportamento. — … Não sei por onde começar, não consigo escolher as palavras! Me ajude! — Gaguejou.
Levantei-me da cadeira e fui rapidamente em direção ao homem. — O senhor quer que eu escreva uma carta à sua esposa, não é isso?
— Exatamente! — Respondeu, enquanto deixava escapar um largo sorriso.
Quando dei por mim, notei que os espectadores aguardavam ansiosamente a minha replicação. — Alguém me arranje papel! — gritei.
Um senhor gordo e bigodudo que estava entre a loira bonita e o garoto com calças coloridas, veio rapidamente com uma folha em minha direção, me entregou e retornou depressa ao seu lugar.
Então, quando tudo parecia caminhar bem, alguns rapazes notaram que ainda faltava uma coisa para que a paz se estabelecesse: uma caneta.
Mas a aflição durou pouco: uma senhorinha que usava um longo vestido vermelho fez questão de procurar uma em sua bolsa e entregou-me assim que achou.
Nessa hora, voltei a me sentar no mesmo lugar em que estava e comecei a pensar no que escrever para reconquistar uma bela dama. Foi então que pensei em tudo que já havia lido sobre amor, e escrevi absolutamente tudo o que me vinha à cabeça, somente adaptando alguma coisa ou outra.
Me sentia um verdadeiro Chico Xavier, como se estivesse psicografando os pensamentos do cidadão infeliz, que a essa altura havia me dito que se chamava Sérgio.
Nem sequer me dei conta de que o restaurante inteiro rodeava minha mesa a fim de descobrir o que eu escrevia no papel. O tempo passou e num instante chegou o momento em que só me faltava colocar o remetente, coloquei então: “Com amor, do seu eterno marido, Sérgio”.
Larguei a caneta, e todos entenderam que eu havia terminado, entreguei a carta ao homem e saí, ovacionado por todos os presentes. Uns tempos depois, soube que ele havia reatado o casamento.