QUEM LAMBE O PÃO PINTADO?
É estranho quando observamos algumas condutas humanas sobre como lidar com tudo que está ao nosso redor. Por várias vezes em vida somos levados a cobiçar objetos, materiais, pessoas, profissões que ainda não possuímos, mas que podem se tornar desejos incontroláveis, insistentes ou até obsessivos. Bem, com certeza, esse pode não ser um raciocínio adequado para uma conduta equilibrada diante das situações rotineiras. Thomas Hardy, poeta inglês nos expressa que “a felicidade não depende do que nos falta, mas do bom uso do que temos.” Contudo é possível que observemos ainda que o ser humano não sabe valorizar o que está disponível a ele e que em muitas vezes esse valor somente é realmente percebido, quando a escassez é totalmente perceptível e quem sabe inevitável e irrevogável, seja sobre materiais, sentimentos ou pessoas.
Não é difícil intuir que o cérebro humano tende a conduzir-nos para que façamos ou queiramos as facilidades, isto é, que não nos esforcemos muito para as situações habituais. Na verdade isso pode ser compreendido como uma defesa prévia do organismo para economizar energia em razão de uma possível situação vindoura desconhecida e que pode nos exigir vigor em excesso para a resolução de situações mais complexas. O filósofo e teólogo cristão africano Santo Agostinho já dizia “não pode saciar a fome quem lambe pão pintado.” Então podemos tender a nos saciar facilmente com as ocasiões corriqueiras, a nos acostumar com as ideias ao nosso redor e desse modo a nos tranquilizar de acordo com as repetições diárias das ações que podem nos fazer relaxar. Bem, esse relaxamento prévio, essa vontade de sacio imediato pode não ser favorável, pois quem se farta e fica relaxado pode ser pego de surpresa e demonstrar dificuldade para atuar no cenário social ou no ambiente familiar. É possível que essa ideia de contentamento nos faça baixar a guarda e sermos atropelados em razão da não previsão dos acontecimentos vindouros, das avalanches, dos furacões dos acontecimentos súbitos, das faltas que podemos enfrentar pelo frio, pelo calor, pela doença ou pela indolência.
Outro exemplo prático disso é como temos visto alguns de nossos recursos naturais, como a água, que sempre foi considerada abundante, sempre renovável para a sobrevivência da vida animal e vegetal. E que agora está escorrendo de forma desarrazoada de nossas mãos. E por isso, temos a imediata sensação de intensa impotência sobre o que fazer. Quantas vezes observamos em jornais, TVs e rádios, campanhas e campanhas publicitárias persistentes em demonstração de alerta à sensibilização para essa escassez. Todavia, como cada um de nós pode testemunhar, que há ainda quem “não está nem aí”. Esses vivem como se não estivessem na sociedade, não se importam, não pensam na falta de amanhã, esbanjam e esbanjam; desperdiçam água e todo alimento que podem e não demonstram empatia com uma infinidade de pessoas no mundo que não dispõem de água, que morrem literalmente de sede e de fome.
De tudo o que se compreende neste contexto é que não podemos continuar a agir como se nada estivesse acontecendo. E neste tempo hodierno a alienação para isso é inconcebível! Agir da mesma forma, como se tudo fosse estático, inerte ou bater na mesma tecla continuamente sem se perguntar, sem se questionar e reagir é insistir de forma ignorante no erro a um abismo sem fim. É imprescindível a transformação pessoal e cultural, é necessário discutir tais ideias em todos os meios sociais, sejam formais ou não, seja na porta de casa ou no ambiente estudantil e profissional. Nas palavras do escritor brasileiro, Érico Veríssimo, “quando os ventos de mudança sopram, umas pessoas levantam barreiras, outras constroem moinhos de vento.” Mais do que nunca é imperativo uma mudança de postura perante a tudo o que nos cerca e que tem valor. Percebe-se que nada é inerte, nada é para sempre, todavia o cuidado, a atenção voluntária e ativa deve fazer parte de nossa lida para não sermos surpreendidos pelos “lobos” que se aproveitam da distração ou da displicência e da fragilidade alheia para devorar a sua presa.