MULATOS E PARDOS: AS FACES DO RACISMO NO BRASIL
Trazendo à baila Casa Grande & Senzala, livro de 1933, escrito pelo genial e original antropólogo pernambucano, Gilberto Freyre, compreendemos um padrão cultural. Este padrão é o da relação entre as classes sociais dominantes e raças subalternas africano-indígenas no Brasil. Trata-se do odioso "saber o meu lugar", diante do mundo dos brancos. Brancos estes que fazem parte das oligarquias que mandam na sociedade brasileira.
Gilberto Freyre foi acusado pelos sociólogos uspianos por estudar somente o escravo doméstico. Dessa maneira, segundo os sociólogos paulistas da USP, Freyre queria construir seu conceito de democracia racial - esquecendo-se do escravo da senzala, humilhado e açoitado.
Mas a coisa vai mais além, e talvez Florestan Fernandes e sua "trupe"de orientandos não quiseram ver. Eles sim que exageraram ao tentar colocar o esquema de classes do marxismo por cima da análise étnico-cultural vinda de Franz Boas - mestre que nosso antropólogo pernambucano soube tão bem fazer adequar-se ao passado colonial brasileiro (Boas foi professor de Freyre nos EUA).
Eu entendo a sutileza da crítica sociológica de Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, que em 1933, lutava contra as teorias racistas eugenistas que estavam ganhando a elite brasileira (inclusive muita gente considerada "boa" da Semana de Arte Moderna de 1922, como Mário de Andrade e seu arquétipo de mestiço débil: Macunaíma).
É no escravo doméstico que mora a explicação do caráter nacional e, ao mesmo tempo, o lado mais cínico do racismo brasileiro: o branqueamento. O branqueamento da alma do mestiço: o mestiço ou mulato que sabiam os seu limites comportamentais entre a cozinha e a sala da Casa Grande.
Ou seja: para comer os pratos nobres da refeições dos brancos era só o mulato da Casa Grande não passar da cozinha para a sala (tirar o prato no fogão e não ser servido na mesa da sala, junto com os brancos que compunham a família patriarcal colonial). Isso acontecia, cabe reforçar, por parte do mulato que vivia na Casa Grande, e não na Senzala. O mulato na Casa Grande não era como o negro puro cativo: era quase branco e queria que seus filhos ficassem mais brancos que ele, por meio de casamentos com outros mulatos ou mestiços.
Pior, para o mulato quase branco, é não poder chamar o branco de pai, quando o mulato sabia que ele, o senhor/pai e branco, estuprou sua mãe preta. Este estupro era muitas vezes confessado por ela (pois todo mestiço brasileiro nasceu, quase sempre, do estupro do senhor em relação às suas mucamas jovens de corpos bonitos - nos séculos XVI ao XIX).
O sistema de hierarquias brasileiro não passa por um "apartheid", mas sim pela "subalternidade" de raça mestiça. Raça essa derivada do cruzamento entre negros e brancos.
Eu saber o meu lugar, como mulato, que é o lugar entre submissão e cor de pele (a cozinha, típica dos tempos coloniais de Casa Grande e Senzala) é a ideologia deste sistema de obediência brasileiro. Aqui está a penetração da mentalidade colonial na cabeça de boa parte da população brasileira mestiça que não se vê negra, mas sim, branca. Junta-se com os brancos para esculacharem os negros (que não viraram mulatos ainda quase brancos).
Ou seja: viver no mundo dos brancos brasileiros vem do fato deu aceitar que as minhas oportunidades como mulato ou negro são no futebol ou no samba, nunca na magistratura, na diplomacia ou nas carreiras médicas. Aqui está uma limitação psicológica aceita subliminarmente pelos mulato ou negro brasileiro.
Trata-se de um limite psicológico que é aderido cada vez mais quanto mais eu tento me branquear psicologicamente, com o psiquiatra negro F. Fanon afirmou em "Peles negras, máscaras brancas".
Por isso que o mestiço brasileiro não compra a briga do negro, pois não se vê como negro. Fala muito mal de cotas em universidades, como se não tivesse nada com isso! Em vários casos também é um racista contra os negros, por não se ver como negro, mas como moreno claro ou outra estereotipia que o valha!
Isso facilita demais a dominação do branqueamento como mistificação.