Deus dá o frio
Deus dá o frio conforme o cobertor. Sim, Senhor. No nosso caso, e na
nossa casa, ele foi pra lá de generoso: deu-nos cobertores de lã, as
cobertas de tear de pau, as colchas de retalhos e aquele aconchego
materno-paternal sem o qual, até dormir faz mal.
Rajadas de vento seco e frio, a úmida procela, nem ela, a gente temia,
ainda que tiritasse quando a cama ainda achasse fria. Nas noites mais
amenas, havia sempre uma certa preferência por determinadas peças - e
dessas - destaque sem igual cabia a uma coberta de tear de pau,
de fundo azul, com umas listrinhas verdes, que proporcionava o sono
ideal. A primazia, a cada dia, cabia a quem primeiro que a escolhia na
quase gritaria. Depois da reza, pois antes ou durante, quem ousaria?
Mas ao largo do povoado do Brumado, pelo jeito, o bom Deus, digo aos
botões meus, era mais acionado. Era frequente ver gente acorrendo à
conferência de São Vicente de Paula pra pedir os cobertores "de São
Vicente". Esses eram padronizados, na cor cinza, uma faixinha marrom,
e embora fininhos, renquéns, parecia que tava bom, malgrado os poréns.
Já os cobertores Parahyba, esse pareciam estar ainda muito arriba.
Quiçá cobrindo os pés de Deus, pois o Chico Piaba, que morava só, em
algum cafundó, quando passava por nossa casa, batia à janela lembrando
que era candidato às meias furadas, que remendava, e o sono então o
acalentava, em meio à noite brava, sob o céu varrido a piaçava.
Paulo Miranda