Deus dá o frio

Deus dá o frio conforme o cobertor. Sim, Senhor.  No nosso caso, e na

nossa casa, ele foi pra lá de generoso: deu-nos cobertores de lã, as

cobertas de tear de pau, as colchas de retalhos e aquele aconchego

materno-paternal sem o qual, até dormir faz mal.

Rajadas de vento seco e frio, a úmida procela, nem ela, a gente temia,

ainda que tiritasse quando a cama ainda achasse fria. Nas noites mais

amenas, havia sempre uma certa preferência por determinadas peças - e

dessas - destaque sem igual cabia a uma coberta de tear de pau,

de fundo azul, com umas listrinhas verdes, que proporcionava o sono

ideal. A primazia, a cada dia, cabia a quem primeiro que a escolhia na

quase gritaria. Depois da reza, pois antes ou durante, quem ousaria?

Mas ao largo do povoado do Brumado, pelo jeito, o bom Deus, digo aos

botões meus, era mais acionado. Era frequente ver gente acorrendo à

conferência de São Vicente de Paula pra pedir os cobertores "de São

Vicente". Esses eram padronizados, na cor cinza, uma faixinha marrom,

e embora fininhos, renquéns, parecia que tava bom, malgrado os poréns.

Já os cobertores Parahyba, esse pareciam estar ainda muito arriba.

Quiçá cobrindo os pés de Deus, pois o Chico Piaba, que morava só, em

algum cafundó, quando passava por nossa casa, batia à janela lembrando

que era candidato às meias furadas, que remendava, e o sono então o

acalentava, em meio à noite brava, sob o céu varrido a piaçava.

Paulo Miranda

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 23/09/2017
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