GOSTOS DE INFÂNCIA


Diário de minhas andanças
02/01/2013



Elas estavam ali.No emaranhado do verde à beira da rodovia.
As pessoas cruzavam apressadas, padronizadas, e o cabresto dos “compromissos da vida moderna”, as impelia num compasso cadenciado, sem tempo para detalhes corriqueiros .
Alheio à tudo isso, direcionando-me ao que ia além dos muros,
eu as observava atentamente.
Talvez , naquele instante, travestido num dos últimos panacas Destes que ainda dão-se um tempo pra coisas aparentemente tão insignificantes.
[refleti com os botões da minha surrada camisa polo]
Educadamente, êstes concordaram em gênero, número e grau.
De dezembro, restavam os últimos dias e, na minha caminhada, uma leveza de tarde lavada de chuva instigava-me à algumas divagações.
Destas tão comuns quando a alma sente-se ainda tocada do “espírito natalino”.
Um sabiá entranhado no arvoredo traçava no bico uma cantiga de quintal. Alguns poucos automóveis indo e vindo, gente passando, e...Aquela visão, abrindo-se diante de meus olhos como provocação.
Pendiam dos galhos com a mesma robustez daquelas, que a memória ainda mantém vivas entre desvãos de cercas de ripas, ladeando casas caiadas.
Por um momento experimentei a mesma sensação de medo quando, noite à dentro, elas tamborinavam pelo telhado estatalendo-se ao chão.
O ruído choco arremessando-me às garras dos “ invisíveis “ que povoavam histórias ouvidas ao redor de fogões.
O dia amanhecia e novas auroras davam-me a dimensão do belo , a certeza de que tudo não passara de crendices das velhinhas de minha meninez, ainda que me aterrorizassem,e muito, antes da chegada do sono.
Retomei o banco rústico de madeira recostado à parede do celeiro.
”O paiol do forno” , o tacho de bronze fervilhando sobre a trempe, meninos e anzóis à beira do riacho.
Um cheiro de pão ardendo na fornalha, odor adocicado de figueira e aquela figura mística girando a pá compassadamente.
A conhecida cantilena de quintal, o mesmo sabiá entranhado pelos arbustos...
[Eram odores de dezembro incensando-me ilusões pueris]
Janelas de olhares soturnos , negando-se a revelar mistérios de sótãos, terreiros adornados de alecrins, a vizinha idosa chegando, o toc toc da bengala, a voz arranhando na garganta...
Um rádio dando notícias dos pagos do Sul e o assobio melodioso de Elias, meu tio, galopando seu cavalo bragado.
Panaca !
Sim,é isto que sou neste momento ,alheio ao fervilhar das ruas, revivendo cenas tão longínquas diante de uma imagem.
Num átimo de tempo, sentindo na boca um gosto adocicado, sorvendo em pensamentos antigos sabores num tempo de ternuras , de ingenuidade, de sonhos...
Naquele quintal, do outro lado da rua...
A pereira carregada de frutos instigando-me aos velhos e guardados “gostos de infância”.


Texto  reeditado.
Preservados os comentários ao texto anterior:




Comentários
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09/01/2016 00:17 - Giustina
Que bela, colorida e gostosa crônica, Joel! Os frutos sempre me lembram demais a infância, pois nos quintas de minhas avós existiam variedades que até hoje me dão água na boca só de lembrar. Aqueles frutos puros, sem a toxidade de hoje! Gostei demais de ler teu texto! Abraços.


27/06/2015 11:13 - Orlando Luiz Azevedo [não autenticado]
Você pinta com palavras quadros facilmente visualizados pela nossa imaginação. Por um instante estamos lá com você revivendo momentos, imagens, sons tão familares, resgatados de um tempo feliz.


12/01/2013 03:51 - Chico Chicão
Meu caro Joel das belezas polacas.Louvai aos céus que ainda guardas as *tolices*da infância.Que belo texto de reminiscências.Viajei junto aos quintais e frutas.Que gosto doce de minha inocência! Obrigado.Fique na paz!


09/01/2013 17:28 - jorê
ola poeta! Ah! essas nossas lembranças de nossas infâncias! não tem coisa melhor! abçs. jorê


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05/01/2013 19:50 - Maria Mineira
Bom demais, o seu texto! Li sentindo o sabor de cada palavra. Parabéns! PS: Aqui não região nunca vi árvore dessa fruta...


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05/01/2013 15:40 - Nuria Monfort
Como sempre, um belo texto. E cá estou eu no sul. Ouvindo "causos" deste povo tão gentil. Causos que lembram este aqui. Sei que ficarei com saudade. Abç!


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02/01/2013 20:08 -
Gostaria amigo Joel, de poder enxergar as minhas lembranças deste jeito poético que só você sabe fazer.Nunca tinha visto um pé de peras, como são belas! O engraçado que ao passar pelo seu estado,verifiquei entusiasmado o quanto é belo o Paraná.Um abraço forte e carioca do Ciro


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02/01/2013 10:50 - Anita D Cambuim
Belas lembranças que naturalmente tingem a sua alma de poesia, saudades e valores. Abraço Joel,e felicidades neste novo ano.


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02/01/2013 09:43 - Ariadne Cavalcante
Olá, bom dia! Bela crônica a sua! Viajei por ela e me fez lembrar a minha infância também quando ouvia histórias de monstros. É incrível como apenas um cheiro, uma imagem ou som podem nos fazer entrar em um túnel do tempo, trazendo-nos à memória lembranças tão remotas e tão vivas ao mesmo tempo! Parabéns pela sensibilidade de seu texto! Abraços e um feliz ano novo!


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02/01/2013 07:38 - Aureliano Peixoto
Maravilhosa cronica, parabens!


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02/01/2013 01:12 - Lilian Reinhardt
A gente fica sem palavras as vezes diante da magia dos seus escritos poeta. Um sabor de vida que vem da alma e nos purifica com cada palavra, cada frase que respiramos de sua palavra. Que coisa mais bela esse texto. Viajei e senti o cheiro da minha infância impregnado sempre no presente do instante, porque tudo presente e infinitude. Amada pereira, dá pra sentir o gosto de seus frutos que levam o poeta a escalar os degraus da poesia quando se faz eterna. Parabénssss!!!Feliz 2013!!! grande abraço!