O SAFARI MARRON
Diário de minhas andanças
( 29/06/2011)
Eu passava por ali todos os dias.Era caminho para o trabalho e ainda que não o fosse, penso eu, daria um jeitinho de forçar uma passadinha naquela esquina uma vez que estava pintando um certo clima entre nós.
Rolava uma química (como se diz nos dias de hoje) .
Êle, esbanjando elegância , punha-se à minha espera. Ora à direita, ora à esquerda, entre algumas peças de vestuário masculino e tendo ao fundo o belo desenho de um famoso artista plástico iratiense, de cujas mãos haviam surgido os traços de um trenó com a figura alegre de papai Noel.
As primeiras renas já dentro da chaminé , e as demais prestes a tomar o mesmo rumo.
Era resultado de uma de suas primeiras investidas no mundo das artes, por isso independente de data aquêle clima natalino estampado em cartolina permanecia por ali.
Do outro lado do vidro eu idealizava o abraço daquêle “ meu pedaço de mau caminho “ ainda que pairasse um certo receio de que aquela maravilha poderia ser “muita areia para o meu modesto caminhãozinho”.
Mas...Sonhar é preciso,é alimento da alma,então...
Diante da vitrine, envolvido em meus devaneios, percebo uma voz soar-me educadamente aos ouvidos:
_Posso lhe ser útil em alguma coisa, meu jovem?
Olhei para aquêle senhor que me havia inquerido,de quem muito pouco eu conhecia, e lhe respondi de pronto:
_Gostaria de comprar aquêle “Safari”, mas receio custar um pouco além de minhas modestas posses.
[Proferi estas palavras com a maior cara de cachorro sem dono]
_Ora ! Isso não será entrave para uma negociação,meu rapaz. Apesar de só conhece-lo de vista,tenho algumas boas referências sobre a sua pessoa.Afinal,vivemos numa cidadezinha do interior e você sabe como as coisas funcionam por aqui.Sempre temos a "folha corrida" da maioria das pessoas rsrs...
Prove-o e , se lhe cair bem, acertaremos a melhor forma de pagamento.
Saí do provador abraçado ao meu sonho de consumo.Um riso de satisfação fazia acrobacias em minha face.Diante do espelho,dentro daquela peça de vestuário, acabara de sentir-me “um gostosão”, ainda que a voz do bom senso me houvesse quase berrado à consciência: ”Te encherga, meu !”
O educado senhor teceu alguns comentários elogiosos à respeito do “caimento” da indumentária e, retirando da gaveta um daqueles livros antigos de contas correntes que presumo deveria ter por volta de 500 páginas, abriu-o sobre o balcão, perguntando-me:
_Qual é mesmo a “sua graça?”(confesso que achei engraçada a indagação) segurei a vontade de uma boa risada e lhe informei a "minha graça".
E a caneta “Parker” desenhou, literalmente, meu nome naquelas linhas num dia qualquer de 1971.
Foi o meu primeiro contacto com o inesquecível proprietário daquela loja de roupas masculinas que comercializava com exclusividade a famosa marca Renner.
Dêsde então, tornei-me cliente assíduo e, bem mais que isso:
um admirador daquela sua maneira elegante, educada, cordial de tratar as pessoas.
Sacramentava-se naquêle instante a tão esperada união com o meu sonho de consumo.
Vivemos, o safari e eu, grandes momentos, grandes aventuras.
[Indiana Jones sentiria uma pontinha de inveja se as tivesse presenciado]
Até o dia em que por força do desgaste, tão corriqueiro em qualquer relacionamento, uma ligeira proeminência surgida em minha barriga motivasse a nossa separação.
O safari marrom, ainda com alguns resquícios da colônia “Rastro” , foi para outros braços permanecendo por algum tempo unido à alguém cujas dimensões abdominais ajustavam-se perfeitamente à êle.
Aí entendo muito bem quando Caetano diz em “Sampa”, que alguma coisa acontece em seu coração...
Porque à exemplo do cantor, à mim também ocorre coisa igual quando , no topo da mesma rua ,cruzo em frente àquele antigo endereço que hoje não mais existe.
Lembranças daquêle que fui, dos sonhos e amores que tive, das pessoas que me foram ternas, amigas...
A nostalgia investe pesado na recriação dos cenários. As mesmas etiquetas por detrás das vitrines, o mesmo desenho natalino, um ar cheirando à café “torrado e moído na hora”(chavão do anúncio de uma antiga panificadora quase em frente) e , na calçada ainda em paralelepípedos , de sobretudo preto êle:
Seu Romeu ! Aquêle educado lojista de quem um dia adquiri o meu “Safari Marrom”.
Diário de minhas andanças
( 29/06/2011)
Eu passava por ali todos os dias.Era caminho para o trabalho e ainda que não o fosse, penso eu, daria um jeitinho de forçar uma passadinha naquela esquina uma vez que estava pintando um certo clima entre nós.
Rolava uma química (como se diz nos dias de hoje) .
Êle, esbanjando elegância , punha-se à minha espera. Ora à direita, ora à esquerda, entre algumas peças de vestuário masculino e tendo ao fundo o belo desenho de um famoso artista plástico iratiense, de cujas mãos haviam surgido os traços de um trenó com a figura alegre de papai Noel.
As primeiras renas já dentro da chaminé , e as demais prestes a tomar o mesmo rumo.
Era resultado de uma de suas primeiras investidas no mundo das artes, por isso independente de data aquêle clima natalino estampado em cartolina permanecia por ali.
Do outro lado do vidro eu idealizava o abraço daquêle “ meu pedaço de mau caminho “ ainda que pairasse um certo receio de que aquela maravilha poderia ser “muita areia para o meu modesto caminhãozinho”.
Mas...Sonhar é preciso,é alimento da alma,então...
Diante da vitrine, envolvido em meus devaneios, percebo uma voz soar-me educadamente aos ouvidos:
_Posso lhe ser útil em alguma coisa, meu jovem?
Olhei para aquêle senhor que me havia inquerido,de quem muito pouco eu conhecia, e lhe respondi de pronto:
_Gostaria de comprar aquêle “Safari”, mas receio custar um pouco além de minhas modestas posses.
[Proferi estas palavras com a maior cara de cachorro sem dono]
_Ora ! Isso não será entrave para uma negociação,meu rapaz. Apesar de só conhece-lo de vista,tenho algumas boas referências sobre a sua pessoa.Afinal,vivemos numa cidadezinha do interior e você sabe como as coisas funcionam por aqui.Sempre temos a "folha corrida" da maioria das pessoas rsrs...
Prove-o e , se lhe cair bem, acertaremos a melhor forma de pagamento.
Saí do provador abraçado ao meu sonho de consumo.Um riso de satisfação fazia acrobacias em minha face.Diante do espelho,dentro daquela peça de vestuário, acabara de sentir-me “um gostosão”, ainda que a voz do bom senso me houvesse quase berrado à consciência: ”Te encherga, meu !”
O educado senhor teceu alguns comentários elogiosos à respeito do “caimento” da indumentária e, retirando da gaveta um daqueles livros antigos de contas correntes que presumo deveria ter por volta de 500 páginas, abriu-o sobre o balcão, perguntando-me:
_Qual é mesmo a “sua graça?”(confesso que achei engraçada a indagação) segurei a vontade de uma boa risada e lhe informei a "minha graça".
E a caneta “Parker” desenhou, literalmente, meu nome naquelas linhas num dia qualquer de 1971.
Foi o meu primeiro contacto com o inesquecível proprietário daquela loja de roupas masculinas que comercializava com exclusividade a famosa marca Renner.
Dêsde então, tornei-me cliente assíduo e, bem mais que isso:
um admirador daquela sua maneira elegante, educada, cordial de tratar as pessoas.
Sacramentava-se naquêle instante a tão esperada união com o meu sonho de consumo.
Vivemos, o safari e eu, grandes momentos, grandes aventuras.
[Indiana Jones sentiria uma pontinha de inveja se as tivesse presenciado]
Até o dia em que por força do desgaste, tão corriqueiro em qualquer relacionamento, uma ligeira proeminência surgida em minha barriga motivasse a nossa separação.
O safari marrom, ainda com alguns resquícios da colônia “Rastro” , foi para outros braços permanecendo por algum tempo unido à alguém cujas dimensões abdominais ajustavam-se perfeitamente à êle.
Aí entendo muito bem quando Caetano diz em “Sampa”, que alguma coisa acontece em seu coração...
Porque à exemplo do cantor, à mim também ocorre coisa igual quando , no topo da mesma rua ,cruzo em frente àquele antigo endereço que hoje não mais existe.
Lembranças daquêle que fui, dos sonhos e amores que tive, das pessoas que me foram ternas, amigas...
A nostalgia investe pesado na recriação dos cenários. As mesmas etiquetas por detrás das vitrines, o mesmo desenho natalino, um ar cheirando à café “torrado e moído na hora”(chavão do anúncio de uma antiga panificadora quase em frente) e , na calçada ainda em paralelepípedos , de sobretudo preto êle:
Seu Romeu ! Aquêle educado lojista de quem um dia adquiri o meu “Safari Marrom”.