Um político diferente

     1. Nos meus tempos de jornal e rádio, como copidesque e redator, nunca escrevi sobre políticos. Até porque não havia necessidade: as redações que me acolheram tinham, nessa editoria, seus cardeais. Com bravura e competência eles apuravam e comentavam o que os políticos lhes diziam em segredo ou abertamente.
     2. Além disso, eu achava desconfortável  e sem propósito levar ao povo o que saía da boca dos políticos e nunca, ou quase nunca, de seus corações. Os bons políticos - e eles existem; poucos, mas existem - que me perdoem.
     3. Que não escrevi sobre políticos, é fato. Mas, creiam, andei escrevendo pequenos textos sobre futebol. Fazia um esforço dos diabos para ser imparcial. Torcedor do Vitória da Bahia e do Vasco da Gama, eu não devia comprometer meus rabiscos esportivos tecendo exagerados elogios aos dois times do coração.
     4. Em momentos especiais, cheguei a escrever tópicos na página de polícia, entusiasmado com o diploma de bacharel em Direito que conquistara depois de muita luta. Fazia-o, lembro-me bem, atento às restrições impostas pela ditadura militar, de 1964 a 1985. Um cochilo, e o redator, por mais bem-intencionado que fosse, entrava em cana. 
     5. Persisto no firme propósito de não escrever sobre políticos. Minhas convicções sobre eles continuam as mesmas  dos meus tempos de jornal e rádio, como, redigo, copidesque e redator.
     6. Como os políticos, nos últimos tempos, vêm praticando uma política merecedora das mais duras críticas, podia aproveitar para comentar a frase do saudoso jornalista Carlos Lacerda: "Somos um povo honrado, governado por ladrões". Como, aliás, têm feito cronistas consagrados, Carlos Heitor Cony e Ruy Castro, por exemplo, na Folha de São Paulo. Não o farei.
     7. Trago para minha prosa a história, muitas vezes contadas, de um político nordestino, cujo exemplo, dignificante, enriquece a crônica política do Brasil, no momento conspurcada e envergonhada. Ocupou cargos, exercendo-os honestamente.
     8. Esse brasileiro, como presidente da Junta Escolar no seu município, Palmeira dos Índios, fez, sem avisar, uma visita a uma escola de crianças pobres, inaugurando uma maneira diferente de administrar. Encontrou a escola sem funcionar, e estranhou.
     9. Quis saber o que estava acontecendo. Informaram-lhe a) que o regulamento do colégio não permitia que os alunos fossem estudar sem uniforme e sem calçados. O presidente, sem pestanejar, mandou comprar sapatos  e fardas e a garotada voltou às salas de aula; b) constatou que faltavam cadeiras. Não hesitou em comprá-las, imediatamente. Seu nome: GRACILIANO RAMOS (1892-1953).
     10. Foi aplaudido. Em 1928, candidatou-se a prefeito de Palmeira dos Índios e foi eleito. Rigoroso e correto, criou o Código de Postura Moral. Não hesitou em multar seu pai, Sebastião Ramos, que infringiu um dos artigos do citado estatuto.
     11. No despacho, punindo seu genitor, disse Graciliano: "Prefeito não tem pai. Eu posso pagar sua multa. Mas terei de apreender seus animais toda vez que o senhor os deixar na rua". Qui belo exemplo!
     12. A renúncia. Em 1930, dizem os livros, "exausto com o clientelismo, prejudicado com o baixo salário público... vendo sua família enfrentar uma situação financeira delicada, Graciliano renunciou ao cargo de prefeito".    
     Note-se: não roubou; re-nun-ci-ou!
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 20/09/2017
Reeditado em 23/09/2017
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