Saudade do meu tamarindo
Quase todos os dias, eu armava a minha rede de tucum debaixo do nosso velho tamarindo para realmente eu ler o nosso José de Alencar e o autor de Dom Casmurro e muitas vezes eu termiava lendo os sonetos de Olegário Mariano, o poeta do Recife. Durante toda minha infancia aquele tamarindo enorme sabia da minha vida de menino órfão e meio poeta. Quem zelava o nosso tamarindo era tia Josefa que sempre estava a varrer as folhas que o vento punha no chão, nos momentos de grande ventania.
Ali debaixo daquele tamarindo eu sempre estava a ler Miguel de Cervantes, Castro Alves, Victor Hugo, e muitas vezes o nosso Eça de Queiroz. Li muitas vezes debaixo daquele tamarindo ingente o poeta lusitano Joaquim Cesário Verde, autor de um único livro. Depois do almoço eu dormia a hora da sesta e quando eu acordava tocava um pouco na viola e fazia alguns sonetos para alegrar o meu ego. A tia Marica se debruçava na janela para ouvir o baião plangente da minha viola e aplaudir os meus improvisos geniais. Foi debaixo daquele tamarindo imenso que li muitas vezes a Crestomatia de Rodagázio Taborda, como também a seleta clássico de Carlos de Laete. Os livros e a viola sempre estavam perto de mim porque eu só me sentia bem lendo ou fazendo repente para os meus parentes ouví-los.
Depois que eu lia alguma crônica ou algum romance eu parava um pouco e tocava na viola e procurava improvisar versos para alegrar o meu espírito poético e também aos admiradores da minha arte popular. A tia Marica me dava bastante incentivo para que eu seguisse a profissão de menestrel da viola. O cordel foi quem me levou a cantar repente depois que eu li uns vinte ou trinta cordelistas famosos, gente como Leandro Gomes de Barros, Francisco das Chagas Batista e Joaquim Batista de Sena. Eu tinha tempo bastante para ler e tocar viola debaixo do nosso velho tamarindo amigo. Aquela árvore ingente que me servia de abrigo dava abrigo também aos grandes rebanhos de ovelhas e caprinos que vinham descansar a hora do meio dia ou nas tardes calorentas do mês de setembro. A tia Josefa tinha um ódio terrível aos porcos dos vizinhos que fuçavam a terra dexando-a toda esburacada e eu me ria da tia Josefa e da sua implicação com os pobres dos animais famintos. Eu passava o dia inteiro lendo, fazendo poemas e dedilhando a viola para muitas vezes aborrecer aos nossos próprios vizinhos que não gostavam mais de ouvir tanto lenga-lenga da viola e dos meus improvios nóveis. Aquele tamarindo era para mim um grande cenário artístico onde eu descobri o enígma dos meus sonetos e poemas autênticos. Foi ali que encetei a minha vida literária lendo os melhores livros da estante do meu avô paterno. Bem perto da minha rede eu colocava uma mesinha e em cima da mesma uns dez ou vinte livros para descobrir o enredo literário e depois meditar nos meus textos sublimes. Para o povo da minha terra eu era visto como um louco ou um jovem desocupado que não tinha outra coisa a fazer a não ser tocar viola e ler livro. Hoje aos sessenta e tres anos de idade eu me recordo de todo meu período de menino peralta mas e metido a artista.