A Historia de um Sacrifício
As duras verdades da vida são aquelas que requerem sacrifícios. Esse foi o último pensamento de Raul enquanto colocava a corda no pescoço de sua amada, vendo seus últimos suspiros se esvaírem como um relâmpago. Em sua mente, ele cantava uma canção do Goo Goo Dolls. Naquele instante, ele penetrou seus olhos nos dela, sabendo que, se fosse possível, ela desistiria da eternidade para ficar mais alguns minutos com ele. Isso foi o que mais doeu em seu coração.
Era uma noite sinuosa, chovia, e as estrelas, em lágrimas, testemunhavam aquela cena melancólica. Enquanto isso, Raul ouvia ao longe o barulho dos tambores do rei. O rei tinha dado uma escolha ao cavalheiro: obedecer, renunciando ao seu amor e servindo a um propósito, ou morrer por sua amada. Raul já havia tomado sua decisão; ele não poderia voltar atrás. Teria que carregar o martírio.
Algumas horas antes...
Lá estava ele, sentado sobre o sofá em frente à lareira, ouvindo em sua radiola uma música que cantava em seus lábios:
"O verão chegou e passou, o inocente nunca pode durar. Me acorde quando setembro acabar... Toquem os sinos novamente como fizemos quando a primavera começou. ...Lá vem a chuva de novo, caindo das estrelas, encharcada na minha dor de novo, nos tornando quem somos. Enquanto a minha memória descansa, mas nunca esquece o que eu perdi. Me acorde..."
Ele sabia mais que ninguém o que essa música representava para sua vida. Ao fim da melodia, lembrou dos trilhos que percorreu na vida. Viu coisas que nenhum homem jamais viu, presenciou crianças matando crianças, lordes pactuando com o mal, homens desenhando terrorismo pelo poder e mulheres vendendo suas famílias por prazer. Experimentou o sabor da morte e saboreou a esperança ser vencida pelo ódio. Pagou um custo muito alto para continuar vivo, carregando em seus ombros o sangue de inocentes. Lembrou-se de um hino que, durante uma das várias guerras que lutou, ficou marcado em seu coração:
"Certa noite, em uma forte nevasca, na sede de um orfanato em Washington DC, um padre plantonista ouviu alguém bater na porta. Ao abri-la, deparou-se com um menino coberto de neve, com poucas roupas, trazendo nas costas outro menino mais novo. A fome estampada no rosto, o frio e a miséria dos dois comoveram o padre. O sacerdote mandou-os entrar e exclamou: - Ele deve ser muito pesado! O menino que carregava o outro disse: - Ele não é um peso, ele é meu irmão!"
Esse fato mexia com ele. Lutou tantas guerras, feriu tantos homens e foi combatido, mas nunca encontrou a redenção. Rogava todas as noites para que Deus perdoasse seus mais cruéis pecados ou, pelo menos, não permitisse que voltasse a cometê-los. As lembranças foram se apagando à medida que o tempo consumia sua fé. Levantou-se do sofá, colocou na mesinha de serviço seu cálice de vinho, lavou os olhos com lágrimas amargas e caminhou em direção à escada que levava ao quarto de sua amada naquela torre que o protegia. Subiu degrau a degrau devagarinho. Lutou a vida inteira contra problemas maiores que ele, ouvindo o silêncio de sua dor mastigar sua alma pouco a pouco. Refletiu sobre a atrocidade fascinante e complexa da lealdade a um reino sem honra.
A Agonia de Helena
Ao chegar à porta do quarto de sua amada, levou levemente a mão direita à fechadura. Aquela porta separava-o de sua decisão. Já desesperado, rogou ao criador que o livrasse daquilo que era, na verdade, uma maldição. Os tambores, agora mais altos, enchiam seus pensamentos com uma fria assombração. Ao abrir a porta, viu seu amor verdadeiro deitada na cama, coberta por um edredom de seda fina. Seus ouvidos teriam que escutar os gemidos febris de sua amada.
Helena estava visivelmente consumida pela doença. Seu corpo, antes vibrante e cheio de vida, agora estava magro e frágil. As bochechas, outrora rosadas, estavam pálidas e encovadas. Seus olhos, que antes brilhavam com paixão e alegria, estavam opacos, refletindo uma dor incessante. Cada respiração era um esforço árduo, e seus gemidos eram um testemunho constante de seu sofrimento. As noites eram particularmente cruéis, com a febre a consumindo, deixando-a tremendo e suando sob o edredom.
Raul preparou a forca dentro do quarto, pegou-a e carregou-a em passos vagos até o destino. A morte se aproximava; o vento cochichou. Podia senti-la em sua angústia, mas encontrou conforto ao ouvir de Helena as palavras: "Seu é o tecido, minha é a mão que costura o tempo, dele é a força que repousa por dentro, nosso é o fogo, todo o calor que podemos encontrar. Ele é uma pena no vento. E para sempre vou te amar, Raul", sussurrou Helena, abrindo um sorriso fraco. Aquela frase era uma tradução de uma canção de fogo do Led Zeppelin que eles construíram seus laços.
Raul a enforcou sem nenhum prazer, vendo-a partir. Foi até a janela da torre e percebeu os soldados com tambores em frente à sua morada. O rei tinha ordenado que Raul servisse como general em sua guerra, deixando para trás sua esposa, ou, caso negasse, seria executado por traição. Raul teve a difícil missão de escolher entre o amor e seu rei, e escolheu o amor. Quando recebeu a ordem real, sua amada estava enferma, com um câncer terminal. Ele renunciou ao rei em favor do amor. Helena sabia que o rei mandaria seus cavaleiros atrás dele e, não querendo dar esse prazer ao rei, suplicou a Raul que a matasse. Não queria morrer pelas mãos de nenhum corvo do rei; se fosse para morrer, queria morrer enforcada por quem amava. Esse foi seu último pedido, e Raul não teve como recusar. Helena jamais aceitaria um "não" de Raul. Esse foi seu desejo final: ser enforcada para que o rei não a usasse contra Raul.
Naquelas horas, Raul colocou sua armadura, pegou sua espada e viu os homens invadindo seu lar. Eram em torno de vinte. Conseguiu derrubar quinze dos homens do rei, mas uma punhalada por trás o acertou. A lâmina perfurou seu corpo, rasgando músculos e órgãos vitais. A dor foi excruciante, um fogo ardente queimando dentro dele. Sentiu o sangue escorrer, quente e pegajoso, manchando suas roupas. Ele caiu, enquanto a espada entrava e saía, ferindo seu corpo. Foram mais de cinquenta golpes em seu peito. Cada golpe era uma nova onda de agonia, e sua visão começou a se turvar. Sobre o chão ensopado de sangue, cantou sua última canção: "Para sempre, desta vez eu sei, e não há nenhuma dúvida em minha mente. Para sempre, até que minha vida termine, menina, eu te amarei para sempre."
O rei, sem honra, matou aquele homem que deu durante sua vida inteira seu suor pelas causas do reino. Um rei honrado nunca poderia ter feito isso com o lorde Raul. Naquele tempo, o rei ficou conhecido como o rei sem coração. Assassinou seu maior guerreiro e foi castigado pelo seu povo, nunca seria amado, jamais seria conhecido por outro nome a não ser "rei sem coração".
No funeral de Raul e Helena, seus amigos e familiares se reuniram em uma cerimônia grandiosa, a maior já vista na terra. O funeral aconteceu no topo de uma colina, onde uma enorme tenda branca foi erguida, decorada com flores de todas as cores e espécies. As bandeiras do reino estavam a meio mastro, e o som das gaitas de foles preenchia o ar com uma melodia triste e reverente.
Os corpos de Raul e Helena foram colocados lado a lado, envoltos em tecidos finos e adornados com coroas de flores. Cada detalhe foi cuidadosamente preparado para honrar a vida e o sacrifício do casal. Os cavaleiros que ainda eram leais a Raul montaram guarda, suas armaduras brilhando à luz do sol, refletindo a devoção e o respeito que tinham pelo seu líder caído.
O povo veio em massa para prestar suas últimas homenagens. Homens, mulheres e crianças, todos vestindo luto, derramavam lágrimas de dor e gratidão. Discursos emocionados foram feitos, lembrando os feitos heroicos de Raul e a beleza e bondade de Helena. Uma ode foi cantada em uníssono por todos os presentes, a voz de centenas de pessoas se unindo em uma só:
"Isso é amor o que estou sentindo? Esse é o amor que eu estive procurando? Isso é amor ou estou sonhando? Isso tem que ser amor, pois realmente toma conta de mim."
Horas depois....
Raul jazia morto, ao chegar nos portões celestiais um Arcanjo convidou para entrar e receber a glória. Alguns segundos de silêncio tomou conta do ambiente. Raul então disse: Não quero , preciso de um acordo. Recuso entrar. O Anjo ao ver sua blasfêmia sem excitar desaparece, e sua alma foi arremessada para o Nimbo, um lugar que cruza a linha do paraiso e o inferno. Cercado por névoas espessas e o cheiro pungente de enxofre e carne queimada, ele caminhou com dificuldade, ainda sentindo a dor de seus ferimentos, suas dores e emoções tinha voltado, ele nem era homem e nem espirito, era um hibrido em meio as trevas . O lugar era sombrio e opressor, e a presença de almas desoladas aumentava a sensação de desespero.
Raul Gritou: Aparece , quem quer que domine esse lugar, apareça agora.
Então, uma figura imponente apareceu diante dele: um demônio envolto em mantos negros, com olhos incandescentes de malícia e poder.
"Raul," a voz do demônio ecoou, "você busca o impossível. O que está disposto a oferecer em troca da vida de sua amada?"
Raul, com o coração pesado e lágrimas nos olhos, respondeu com voz rouca e determinada: "Qualquer coisa. Traga Helena de volta, e eu farei qualquer sacrifício."
Naquele momento uma musica passou em sua mente:
¨Por que você foi assim
Não deu pra entender
É tão difícil aceitar, perder, eu sei
por que a vida tem que ser assim porquê?¨
O demônio sorriu, revelando dentes afiados como facas. "Então está selado. Sua alma será minha por toda a eternidade, mas Helena viverá novamente. Lembre-se, porém, que a vida retornada carrega um preço."
Raul, sem hesitar, aceitou: "Eu aceito."
Helena despertou . Seu corpo estava frio e rígido, mas uma chama infernal queimava em seu peito, impulsionando-a. O céu estava tingido de vermelho sangrento, e a lua, pálida e desolada, observava do alto. Sentia o cheiro da terra úmida e das folhas em decomposição.
Levantando-se lentamente, ajustou-se à vida novamente. Suas mãos trêmulas tocaram o pescoço, sentindo a marca profunda deixada pela corda. Ela não entendia o que tinha acontecido, mas sabia que tinha retornado do inferno para a terra. Como isso seria possível? questionou. - Então lembrou de Raul, e com um desejo de vingança dirigiu-se ao castelo do rei, movendo-se silenciosa e letal. O cheiro do sangue seco de Raul ainda a assombrava, e seus olhos, antes cheios de amor, agora ardiam com ódio. Se desfaçou de prostituta por dia tendo que aguentar humilhação e ser consumida pelos corvos do rei, até chegar então a chamar a atenção do rei, apesar de ter voltado a vida, usou de magia negra para confundir a visão dos homens, assim sendo irreconhecível pelos miseráveis soldados, quando adentrou a cama dele, finalmente, ela segurou o rei pelo pescoço, saboreando o medo em seus olhos. Com um último golpe, cortou-lhe a garganta, e o sangue jorrou em um arco brilhante. O rei caiu ao chão, gorgolejando enquanto a vida se esvaía de seu corpo.
Uma menção de uma música ela pensou:
¨Sim, agora as chuvas choram em seu salão
E nenhuma alma para ouvir¨
Ela então fugiu do Castelo voltou ao lugar onde Raul havia sido morto e deitou-se ao lado das manchas de sangue, sentindo a vida lentamente se esvair. Seus olhos se fecharam, e ela sussurrou suas últimas palavra enquanto preparava a corda para se enforcar e disse: "Para sempre, Raul."
O Nimbo a esperava, mas ela não tinha medo. Estava disposta a pagar qualquer preço para estar ao lado de seu amado novamente, mesmo que fosse nas profundezas do inferno. O amor que os uniu em vida continuaria a uni-los na morte, uma chama eterna que nem mesmo o inferno poderia apagar.