“Tempus fugit: utere!”
Recifes de corais na Amazônia. Um bioma único no mundo, recém-descoberto na foz do Rio Amazonas, já se revela à humanidade enfrentando a ameaça de ser destruído por empresas petrolíferas. Advinha quem vai levar a pior? Essa é a minha angústia para o dia de hoje. Não há força no mundo capaz de deter a ambição humana, a não ser uma: a inexorabilidade do tempo que a tudo transforma em pó. Ocorre-me o comentário de Cortella sobre um pensamento de um povo mais reflexivo que o nosso: “O maior lance do xadrez é que peão e rei voltam para a mesma caixa no final da partida”. Mais ou menos isso.
O vizinho abana a mão à minha passagem, o polegar erguido num gesto generoso de tá-tudo-joia. Sempre de cara boa, uma característica decerto resultante de sua natureza fleumática que chega a ser irritante nestes tempos agitados. Tem o hábito de sentar-se todas as tardes ao portão de casa para observar o passar do tempo que, para ele tem um ritmo diferenciado, assim meio banzeiro. Chama-se Simplício, aliás, não lhe caberia nome mais apropriado. Passo por ele que repudia veementemente meu cumprimento apressado. Quer fazer um comentário raso, banal, com sabor interiorano, sobre a chuva ou a falta dela, coisas desse tipo. Dá vontade de sentar com ele e evocar também a superficialidade das coisas simples do seu limitado e nem por isso menos agradável universo. De jogar conversa fora e esquecer o relógio, senhor dos meus dias e carcereiro do meu espírito cativo, aprisionado nos dígitos do calendário. Imprimir subdimenção aos compromissos que tolhem meus passos no caminho para a alegria. Desanuviar o semblante e rir com o vizinho daquelas coisas bobas que ele fala, infrutíferas, mas inofensivas, sem o menor peso na balança de qualquer ciência. Estar por estar, existir por existir, sem vínculo com ideologias e convenções. Comer, beber, cumprir o dia de trabalho, dividir a cama com a mulher amada sem as pretensões das felicidades fugidias como as que invariavelmente atropelam a maioria dos homens ditos fortes, endinheirados, empodeirados, endoutorados.
Meu vizinho não quer explicar nada, não defende nenhuma teoria, não se irrita com discussões políticas, nem religiosas. Vai pescar no final de semana, fica horas intermináveis prestando atenção ao que o rio fala no seu murmúrio incessante. Não defende santos, nem heróis, nem salafrários. Inconscientemente sabe colher as horas com mãos gratas, como frações da vida, portanto, fragmentos do bem supremo, sem o qual nenhum outro terá qualquer valor.
O latim de um velho amigo padre, que há muitos anos foi chamado a voltar ao pó, ressoa insistentemente na cabeça cansada: “tempus fugit: utere! Sim! O tempo me escapa. Mas como usá-lo proveitosamente? Penso que de todos os meus amigos, Simplício seja o que melhor sabe fazê-lo.