ELAS

Eu nunca entendi o porquê de eu sempre me sentir melhor na companhia dos garotos. Sempre tive amigos e amigas, mas durante quase toda a minha vida, a amizade com os meninos sempre foi mais confortável e hoje eu consigo observar os motivos. As meninas são - devido ao machismo - “treinadas” pra estarem sempre em competição, e eu posso ter todos os defeitos do mundo, mas não sou competitiva. Não mais. Na adolescência somos fracas, facilmente corrompidas pelo o que a sociedade impõe e o tempo todo queremos mostrar quem tem a maior bunda, peito, queixo, cérebro... Somos leoas brigando pelo posto de rainha; somos cobras envenenando a vida uma da outra com palavras de humilhação. Daí eu, que competia por osmose, mas me sentia mal por isso, acabava me aproximando dos garotos pra conseguir ter paz. Devido a isso, um preconceito foi sendo criado dentro de mim e eu comecei a ter repulsa por tudo aquilo que é feminino: Evitava conversar com garotas pra não desenvolver amizade, passei a odiar maquiagem quando antes só não usava por preguiça, apaixonar-se era para os fracos e só Deus sabe como permaneci hetero. Mas aí a vida sempre vem pra nos provar que estamos errados, não é mesmo? Comecei um curso técnico de hotelaria em que a turma era majoritariamente feminina. Entrei na sala pensando “Onde é que eu tava com a cabeça?” Era praticamente um suicídio: Saí de uma escola onde a competitividade era marca registrada, pra ir pra outra onde mulheres dominavam a sala. Mas aí, eu conheci quem eu vou chamar de ELAS. Eram duas, eu precisava me socializar então não tendo escolha, tive que conversar com ELAS. E que choque. Elas eram inteligentes porque simplesmente eram. Faziam os trabalhos e estudavam para si mesmas, sem a necessidade de esfregar isso na cara uma da outra. Eram bonitas para elas mesmas. Inseguras como toda garota de quinze anos, mas nunca me diminuíram pra sentirem-se superiores. Ao contrário, sempre tiveram frases de motivação verdadeira uma para com a outra. Ela riam das minhas piadas iguais aos meninos, zuavam comigo iguais aos meninos, vivíamos em paz igual aos meninos. Mas ELAS não eram meninos e por mais que na adolescência eu não entendesse que com elas eu podia deixar respirar a garota que há em mim e acabei por ser a rebelde-comunista-machona, hoje eu posso exercitar meu lado feminino com ELAS. Claro, minha personalidade se desenvolveu de modo que na maioria do tempo eu sou aquilo que a sociedade não aceita como mulher e eu ressalto isso com minha militância feminista diária. Mas com ELAS eu descobri que não preciso ter medo de nada. Posso não me arrumar que elas vão no máximo rir de mim, mas sem me humilhar. Posso perguntar se um lápis vermelho de boca dá pra passar no olho e elas vão, calmamente, explicar que sim, mas que vai ficar muito feio e vão acabar imprimindo uma foto minha com lápis vermelho no olho só pra me aloprar. Conversar com ELAS é seguro, livre e é como voltar pra casa; com ELAS eu tenho um conforto familiar que não sinto com muitos parentes de sangue. ELAS são a minha prova de que possuir uma vagina não vem acoplado com viver querendo ter a melhor vagina de todas.

Depois delas, é claro que conheci outras garotas e pude enfrentar esse meu preconceito. Mas todas... Absolutamente todas as mulheres com quem tentei desenvolver uma amizade não eram como ELAS, eram como AQUELAS... leoas, víboras. E por isso eu continuo só com ELAS, o que me é suficiente.

No ensino médio tínhamos uma professora que tinha o discurso fixo de que “após o fim da escola, aquele amigona do peito se afasta e você descobre que a amizade não era tão forte assim...”. Ela tinha razão, pois metade das “amigas” que fiz na vida desapareceram. Mas ELAS são a outra metade. São a minha metade.

Lucy Van Pelt
Enviado por Lucy Van Pelt em 16/09/2017
Código do texto: T6115707
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