...DA ESTAÇÃO SÉPIA.
já amanhecia sob uma sonoplastia diferente.
Aos poucos, as árvores despertavam dos seus sonos profundos, advindas empoeiradas do inverno seco, entremeadas pela fauna em burburinho, que comemorava o escasso verde restante pelo meio ambiente em nítido sofrimento.
Entre os mais resilientes pardais, corria a triste notícia cochichada, “bico-a bico”, a de que queimadas já tomavam conta do entorno mais próximo, mesmo nos santuários ecológicos, então, aquela manhã calma e ensolarada deveria ser aproveitada no máximo dos seus resquícios de vida, a se receber toda a vida poupada que ali chegaria para a festa, vinda das labaredas altas, em débeis cantos sinfônicos e assustados.
A festa estava preparada para o reinício que haveria de acontecer.
Pelos chão das calçadas esquecidas, extensivo ao asfalto árido e quente das adjacências, tapetes de Ipês coloridos já se abriam à recepção, no mistério da impermanência tão rápida da beleza do todo.
Flores de todas suas cores, pétalas tecidas na delicadeza da seda, despejavam então seu castiçais arquitetônicos como se, na mesa posta, oferecessem aos convidados a degustação de todo o néctar do momento.
Então, já se ouvia pela madrugada antecipada, o silêncio a se quebrar por gorjeios tímidos na revoada das Pombas, das Maritacas , dos Bem-te-Vis, dos Sanhaços, das Curruíras, do Joões-de-Barro, dos dissonantes e solitários sopranos,os Sabiás –Laranjeira... todos recepcionados pelos pardais espivetados de todas as horas.
As borboletas, exímias malabaristas , em homenagem iniciaram seus vôos rasantes, pairando suas telas fotocromáticas impressionistas cedidas ao meio, simbolismo da tranqüilidade com a qual acalmam o todo em festa.
De sobressalto e bem antecipado, se pode inclusive ouvir o anúncio estridente dum Gavião recém-chegado, ave de Rapina Urbana não convidada, um desavisado “bicão da festa”, quiçá escapulido do seu Habitat ora invadido e em busca de sobrevivência natural, longe, portanto, de imitar os Homens no seu poderio predador injustificável e devastador do todo.
Soube que as andorinhas ficariam a dormir até mais tarde, preguiçosas como sempre, acostumadas a aproveitar a indolência dos fins de tarde, só para depois matracarem suas aventuras cantantes sob o poente calmo e morno.
O presente paisagístico à fauna comunitária festiva era indescritível.
As Sicas resplandecidas forneciam a sombra de suas folhas firmes à explosão das várias orquídeas aos céus dantes nublados, esculturas de perfeição incomparável.
Chapéus de Couro, oxidados em vários tons de “terracota”, prometiam o aconchego ao calor progressivo e mais forte, juntamente às suas irmãs verdes, mais antigas no meio, de porte mais alto, como o frondoso Ficus e as sábias Tipuanas..
Sibipirunas em ondas luminosas acenderam seus ornamentais candelabros amarelos, ora “abertos em copas”, Primaveras de todas as cores estenderam seus braços ramificados e fizeram seus penduricalhos florais em belas molduras, Jacarandás Mimosos floresceram suas delicadas toalhas rendadas, já estendidas no pastel de seu belíssimo tom lilás, Manacás- da- Serra, já em despedida, atrasaram sua viagem de volta para a tranquilidade das suas vidas montanhosas e os Manacás- de - Cheiro- foram convidados a ficar mais um pouco, só para perfumarem o momento singular do inverno que se ia...
Apenas as cerejeiras se despediram, posto que já era mais que hora de voltar, todavia, deixaram sobre o tapete colorido o esplendor de algumas pétalas de saudade.
A festa acabava de começar, sem distinção, com todos postos à mesa.
Ali , a doce benção festiva da perene renovação da vida de Direito, sempre em estilo primaveril e misteriosamente chegada...
... advinda da transformação sofrida de toda estação sépia.
Nota da autora: ofereço esse meu texto, escrito com muita emoção, à nossa conscientização urgente frente a toda tragédia da natureza que queima no nosso presente entorno de país de vasta biodiversidade tropical.