DEU GALO NA CABEÇA
ERA O ANO DE 1956 E ESTAVA NAS FÉRIAS ESCOLARES. EU, COM 10 ANOS, DEVERIA AJUDAR MEUS IRMÃOS NA ENTREGA DE MARMITAS PARA OS OPERÁRIOS, NAS FÁBRICAS E OBRAS, NA CIDADE. MAMÃE JÁ ESTAVA COM O ALMOÇO QUASE PRONTO, QUANDO VIU QUE NÃO HAVIA QUALQUER TIPO DE CARNE PARA COLOCAR NA MARMITA DE PAPAI E ME MANDOU NO BAR DO VEVEU, PARA COMPRAR 200 GRS. DE GALANTINA. FUI NUM PÉ E VOLTEI NO OUTRO. FOI RÁPIDO, PORQUE O VEVEU ERA EXÍMIO NO CORTE DAS FATIAS, COM SUA FACA FINA E COMPRIDA.
TUDO PRONTO. ARROZ, FEIJÃO, ANGÚ E COUVE E DUAS DELICIOSAS FATIAS DE GALANTINA, COBRINDO A MARMITA. MAIS O VIDRO DE CAFÉ E O GARFO, TUDO METIDO NUMA SACOLA DE PANO AZUL, COM ALÇAS COMPRIDAS E JÁ ESTAVA SAINDO DE CASA E ENCONTRANDO COM MEU IRMÃO WALDYR, QUE JÁ ME ESPERAVA NA RUA, COM DUAS SACOLAS NOS OMBROS COM DUAS MARMITAS DE ALMOÇO.
O MEU DESTINO ERA A OBRA DO EDIFÍCIO DO BANCO MINEIRO DA PRODUÇÃO, NA PARTE BAIXA DA RUA HALFELD E MEU IRMÃO, MAIS ALÉM, NA FÁBRICA MEURER, NA RUA ESPÍRITO SANTO, DEFRONTE A ESCOLA NORMAL.
NÃO HAVIA DINHEIRO PARA O ÔNIBUS E POR ISSO SEMPRE FAZÍAMOS O TRAJETO À PÉ. ERA UMA PRAZEROSA AVENTURA, ATÉ CHEGAR AOS NOSSOS DESTINOS. O WALTER, MEU IRMÃO MAIS VELHO, SEMPRE ME LEMBRAVA PARA TOMAR CUIDADO PARA ATRAVESSAR AS RUAS: - PRESTA ATENÇÃO, A RUA MARECHAL SOBE E A RUA HALFELD DESCE – NÃO ENTENDIA BEM AQUILO. COMO? UMA RUA SEMPRE FICAVA PARADA, NÃO SUBIA E NEM DESCIA...MAS, DEIXA PRA LÁ, VOU TOMAR CUIDADO ASSIM MESMO.
FALTANDO DEZ MINUTOS PARA AS 11 HORAS EU JÁ ESTAVA CHEGANDO NA OBRA, ONDE PAPAI TRABALHAVA NA CONSTRUÇÃO DO PRÉDIO, DESDE 1954 E MEU IRMÃO SEGUIU EM FRENTE, MAIS UM POUCO, PARA CHEGAR NA FÁBRICA MEURER.
CHEGUEI, ENTREI NO PRÉDIO E ME SENTEI NUM MONTE DE BRITAS, ENQUANTO ESPERAVA PAPAI DESCER DOS ANDARES MAIS ALTOS, ONDE ESTAVA TRABALHANDO NO ASSENTAMENTO DE AZULEJOS, NAS SALAS E PAREDES DO PRÉDIO.
11 HORAS E O ENCARREGADO CHEGOU E PEGANDO NUM PÉ-DE-CABRA, BATEU FORTE NUM PEDAÇO DE FERRO QUE FICAVA DEPENDURADO POR UMA CORDA: - “TEM, TEM,TEM, TEM, TEM”...UM BARULHO QUE TINIA E PENETRAVA OUVIDOS À DENTRO E QUE SE OUVIA ATÉ LÁ FORA NA RUA.
ERA O CHAMADO PARA OS HOMENS DESCEREM PARA ALMOÇAR. EM QUESTÃO DE MINUTOS A PRANCHA-ELEVADOR, DESCIA COM UNS 12 HOMENS POR VEZ. PRONTO, LÁ VINHA PAPAI,DESCENDO DA PRANCHA E ANDANDO EM MINHA DIREÇÃO.
CHAPÉU DE FELTRO MARROM AMASSADO, NA CABEÇA JÁ BRANQUINHA, PRECOCEMENTE, CAMISA DE PANO DE SACO, CREME, RESPINGADA DE REBOQUE, CALÇA CAQUI SURRADA E BOTINAS PRETAS, TAMBÉM MANCHADAS DE TINTA E MASSA. FEZ SINAL COM A MÃO, PARA ESPERAR E FOI ATÉ UM LATÃO ONDE UMA MANGUEIRA PENDENTE JORRAVA ÁGUA E LAVOU AS MÃOS.
“BENÇA, PAPAI” E FUI LOGO PASSANDO A SACOLA DA MARMITA PARA ELE.
“DEUS TE ABENÇÕE, VICENTE”, VAMOS VER O QUE TEMOS HOJE PARA O ALMOÇO. ABRIU A MARMITA, MEXEU OLHOU DENTRO E GOSTOU DO QUE VIU. PROCURANDO O GARFO E NÃO O ENCONTRANDO, ME PERGUNTOU: - SUA MÃE SE ESQUECEU DE MANDAR O GARFO? OU VOCÊ PERDEU PELO CAMINHO? FIQUEI SEM RESPOSTA. PODERIA SER UMA COMO A OUTRA COISA...
PAPAI NÃO SE FEZ DE ROGADO, SACOU DO CANIVETE QUE TRAZIA SEMPRE CONSIGO, VIROU PRUM LADO, VIROU PRO OUTRO E VIU UM PEDAÇO DE SOBRA DE MADEIRA, NO MEIO DAS BRITAS, PEGOU-O, E RASPANDO COM O CANIVETE, CORTOU AQUI, CORTOU ALI E EM SEGUNDOS SURGIU UMA COLHER. FOI LÁ NA MANGUEIRA DÁGUA, LAVOU E SORRIDENTE, ALMOÇOU TRANQUILAMENTE.
SACIADO, ABRIU O VIDRO DE CAFÉ E TOMOU COM GOSTO. ELE GOSTAVA DO CAFÉ QUE MAMÃE FAZIA, BEM FORTE E DOCE.
SEUS AMIGOS LHE BOTARAM UM APELIDO: PATRÃO. NÃO SABIA A RAZÃO, MAS TALVÊZ PELA EXPERIÊNCIA E URBANIDADE QUE TRATAVA SEUS COLEGAS. ERA MUITO BENQUISTO POR TODOS .
JÁ ESTAVA PARA SAIR, NÃO SEM ANTES IR ATÉ À PAREDE DO LADO, ONDE UM ITALIANO, SR.ALFREDO MUCCI ESTAVA FAZENDO UM GRANDE PAINEL EM PASTILHAS COLORIDAS. ERA MAIS JOVEM QUE PAPAI, MAS TAMBÉM TINHA CABELOS GRISALHOS E SEU UNIFORME ERA DIFERENCIADO. DO ALTO DE UM ANDAIME, VESTIDO COM UM MACACÃO AZUL, CHEIO DE BOLSOS, DE ONDE TIRAVA AS FERRAMENTAS DO SEU TRABALHO, IA RECEBENDO AS PASTILHAS DAS MÃOS DE UMA MULHER (DIZIAM SER SUAESPOSA) QUE COM UM MACACÃO IDÊNTICO TAMBÉM GUARDAVA ALICATES E TURQUESES.
AS PEDRINHAS, OU PASTILHAS QUE CAIAM NO CHÃO, QUEBRADAS OU SUJAS DE COLA SE ESPARRAMAVAM E EU IA LÁ, PEDIR-LHE PARA CATAR E LEVAR COMIGO PARA CASA, BRINCAR COM MEUS IRMÃOS. ELE, SEMPRE SORRIDENTE NÃO SÓ AUTORIZAVA, COMO A MULHER DELE AINDA ME AJUDAVA A ENCHER OS BOLSOS E A SACOLA DO ALMOÇO, AGORA MAIS LEVE...
VOLTANDO ATÉ O MONTE DE BRITAS, VI QUE DOIS AMIGOS DE PAPAI ESTAVAM TENTANDO QUE ELE FIZESSE UMA “FÉZINHA NO JOGO DO BICHO”. UM ERA O MIGUEL, SERVENTE E OUTRO O ARLINDO, UM PINTOR. PAPAI DIZIA QUE ESTAVA SEM PALPITE E JÁ IA DESPEDINDO OS DOIS, QUANDO ME PRGUNTOU: “VICENTE, DIZ AÍ UM BICHO”! EU NEM SABIA OS NOMES DOS BICHOS TODOS E NÃO ME ARRISCARIA EM ANIMAIS DESCONHECIDOS, COMO GIRAFA, RINOCERONTE OU LEÃO. ENTÃO ME LEMBREI DE UM GALO, GRANDES ESPORAS, PENAS AVERMELHADAS E AMARELAS, QUE ME ATACAVA SEMPRE QUE MAMÃE ME MANDAVA LIMPAR O GALINHEIRO E LASQUEI: - GALO, PAPAI.
SAÍ COM A MARMITA CARREGADA DAS PRECIOSIDADES QUE O ITALIANO DO MOSAICO E SUA ESPOSA ME DERAM E NEM FIQUEI PARA SABER SE PAPAI IR JOGAR NO BICHO, OU NÃO.
ENCONTREI MEU IRMÃO WALDYR, NO CAMINHO DE VOLTA, ALÍ NA ESQUINA DA AV.GETULIO VARGAS COM A RUA HALFELD E VOLTAMOS JUNTOS PARA CASA, COMO SEMPRE, “NA SOLA”.
COMO PAPAI TRABALHAVA TODO DIA DAS 07 ÀS 16 HORAS, CHEGAVA EM CASA SEMPRE PELAS 17:30 HS, COM ALGUMAS COMPRAS QUE TRAZIA. NESSE DIA, CHEGOU MAIS TARDE, LÁ PELAS 18:00 HS., E COM UMA NOVIDADE-SURPRESA, PARA NÓS: CHEGOU O COLOCOU EM CIMA DA MESA, UM PACOTE COM NOVE MAÇÃS E COM UM BONITO SORRISO NO ROSTO, ENTREGOU UMA MAÇÃ PARA CADA UM DE NÓS,SEUS FILHOS, SETE E MAIS UMA PARA ELE E OUTRA PARA MAMÃE...
RODEAMOS PAPAI E O ABRAÇAMOS AGRADECIDOS, AFINAL UMA MAÇÃ SOMENTE ERA POSSÍVEL NO NATAL, UMA INTEIRA ASSIM, PARA CADA UM! ELE SENTOU NO BANQUINHO E EXPLICOU QUE FIZERA O JOGO DO BICHO E JOGARA A DEZENA DO GALO, NO PRIMEIRO PRÊMIO E NO FINAL DO DIA, FOI CONFERIR E O GALO DEU NA CABEÇA. COMO JOGARA POUCO, POIS NÃO ARRISCAVA MUITO E NEM TINHA DINHEIRO PARA TANTO, GANHARA CR$.400,00 (QUATROCENTOS CRUZEIROS) E PELO CAMINHO, PASSOU NO MERCADO MUNICIPAL E COMPROU NOSSO PRESENTE...
É, ESSA É UMA DAS HISTÓRIAS DE MEU PAI, VALENTIM CLEMENTE, PEDREIRO COMPETENTE E UM EXEMPLO PARA A GENTE.