Galinha na manguara
O velho João Martinho chamava de “galinha na manguara” a mercadoria que punham à venda por qualquer preço. O dístico era tão comum antigamente que qualquer criança alcançava o seu significado sem necessidade de maiores explicações, hoje, pelo desuso em que caiu, chega a surpreender, se empregado por algum desavisado das antigas feito este escriba saudosista que aqui despeja suas reminiscências. Penso que estou ficando velho quando algumas expressões que praticamente já se desintegraram, e seus resquícios vão se esvanecendo com as gerações que se perdem na fumaça do tempo, voltam a rondar minha mente e passam a me atenazar com sua constância fantasmagórica, chego a usá-las nas conversas com os mais jovens só para vê-los me olharem aturdidos como se eu falasse grego.
Nos agradáveis anos da minha meninice, era comum, pelo menos aqui na nossa região, na maioria dos quintais, a criação de galinhas, assim como o cultivo de hortaliças numa pequena área fechada de taquaras, recursos que ajudavam bem os pais de família, naquele tempo, os provedores. As galinhas, além de fornecer ovos e a carne dos domingos também constituíam uma espécie de pecúlio. Numa ou noutra situação de emergência, quando se fazia necessário levantar algum dinheiro as galinhas viravam moeda de troca. Pegava-se um bastão, a chamada manguara, no qual se enfiava as aves amarradas pelos pés, e um membro da família saía com a manguara no ombro, as bichinhas penduradas de cabeças para baixo, oferecendo a mercadoria a uma clientela desinteressada, já que praticamente todas as famílias mantinham sua própria criação. Era uma oportunidade de comprar barato, para quem quisesse ampliar seu plantel, ou poupar as suas próprias aves no almoço do próximo domingo.
Por galinha na manguara entendia-se, portanto, qualquer mercadoria que estivesse à venda a qualquer preço. Hoje em dia ela se aplicaria até a algumas pessoas, mas vamos ao que interessa que este prefácio já está ficando maior do que a história. Compadre meu, oriundo de uma pequena comunidade da extensa zona rural da cidade de João Pinheiro – MG, contou-me que na sua terra há ainda muitos criadores de galinhas caipiras, mas que estes, pelo contrário, supervalorizam suas aves. Aos sábados peiam as suas bichinhas, enfiam na manguara e lá se vão para a cidade, rodam com a mercadoria pelas ruas do centro, oferecendo de casa em casa e, como não aceitam a regateação do preço pelos possíveis clientes, acabam voltando com quase todas as aves. No outro sábado lá se vão outra vez com a mesma carga viva.
Segundo o meu compadre, quem pensa que as galinhas sofrem com o tal procedimento está muito enganado. As galinhas gostam tanto de ir passear na cidade que nos sábados pela manhã, quando seus donos vão apanhá-las para a jornada, elas já estão deitadas de costas, com os pés para cima esperando ser peadas. Medo de sobrarem. Pode?
E olha que meu compadre não é de contar mentiras.