MEMÓRIA É SEGUNDA PELE.
Culpa e memória caminham juntas, durante toda a vida. E depois da morte. A memória veste nosso corpo incorporeamente, e flui.
A história não registra o que não foi bom com aplauso nem a bondade sem elogio.
Ninguém é lembrado a não ser pelo que foi, o que fez, suas ações e seus efeitos na ambiência em que viveu. Por isso dizia o pacifista Gandhi com toda a carga de indiscutibilidade, sic: “Eu não tenho mensagem, minha mensagem é minha vida”. E nada mais que isto somos, nossa vida e como foi vivida.
Santo Agostinho em suas "Confissões" disserta sobre a memória, como uma janela da consciência; não há dúvidas.
A memoria é o espírito, o mais importante compartimento da alma.
Na cultura grega tinha destaque a memória. Sem ela não se pode conhecer nada, muito menos se dar a conhecer nossa jornada.
Nosso agora e nosso passado culpam ou exculpam nossas condutas. Daí sua ligação com o desconhecido, o outro lado da vida quando ela se extingue. A memória está fortemente vinculada à alma, ao nosso interior. É sua irmã. A história ratifica esse vínculo.
Existe uma poesia órfica que enquadra as almas em seus destinos quando vão na mansão de Hades, a Casa dos Mortos:
”Encontrarás à esquerda da Mansão do Hades, uma fonte,
E a seu lado, um branco cipreste.
Não te aproximas deste manancial.
Mas encontrarás um outro junto à Fonte da Memória,
De onde fluem águas frescas e, diante das quais há guardiões.
Diz-lhes: “Sou um filho da terra e do céu estrelado;
Mas minha raça é do céu (somente). Vós próprio o sabeis.
E – ai de mim! – estou ressequido de sede, e pereço. Dai-me rapidamente
A água fresca que flui da Fonte da Memória”.
E eles mesmos te darão de beber do manancial sagrado,
E desde então tu dominarás entre os outros heróis”.
Assim, almas não devedoras de seus atos maléficos, bebem águas puras, devem beber da sagrada fonte da memória, ela mostra o que fomos, ao passo que as almas impuras devem banhar-se no rio Lete afim de se esquecerem de seus “pecados” e iniquidades e poderem reencarnar. Purgarão suas maldades...
As almas puras manterão os seres e o que foram, estão pela memória marcados e habitarão junto aos deuses, em companhia dos heróis.
O livre-arbítrio que a memória lista em companhia da vontade, traz a memória como sino que alerta para a culpa ou a boa vontade. A humildade de admitir seu “déficit moral” revela quando há tempo o caminho da remissão.
O homem precisa se livrar das pretensões, das paixões pessoais, banhar-se de humildade em sua vasta ignorância. Somente uma alma estável é capaz de perceber a ideia de Deus, mesmo colocada por um agnóstico como Kant ou por Darwin, o evolucionista mais cristão colocado no centro do planeta, qualificando Deus como o "Supremo Arquiteto".
Para esta elevação do espírito é necessário autoconhecimento, e mais importante, se aceitar como Deus nos criou, com nossos dons e limites.