Assim nasce uma crônica
Adoro ler uma crônica e perceber que o escritor tirou a ideia do lugar mais improvável que ele poderia tirar. E tudo pode virar uma crônica. Qualquer assunto é assunto para um bom cronista.
Mas não é fácil se tornar um cronista. Tem que ter um olhar atento para a vida, e para pessoas como eu que são lentas para acompanhar tudo o que acontece nos dias de hoje se torna muito difícil. Eu confesso que não tenho muita pressa com a vida e com as coisas que acontecem nela. Tenho gosto em apreciar cada momento.
A crônica é ótima para se ler em um ônibus. Eu pego o ônibus para ir ao trabalho todos os dias no mesmo horário e sempre tem um senhor que está lendo o jornal na fila do mesmo ônibus que eu pego. Este senhor senta no último banco do ônibus, aquele que fica de frente para o corredor. Senta-se e volta a ler o jornal. E eu sento ao lado dele sempre, só que próximo a janela e sempre fica um banco vazio no meio.
Hoje pela manhã parei para observar aquele senhor e percebi que ele sempre lê as principais crônicas do jornal. É um hábito dele. É um hábito de muitos. É um hábito meu quando compro o jornal.
Semana passada eu estava no ônibus com a cabeça virada para a janela, com os olhos abertos e não estava olhando nada. O pensamento foi tão longe que não percebi nada no caminho até o trabalho. No dia seguinte entrei no ônibus e olhei para as pessoas e percebi que eu não era o único a passar por aquilo.
A janela do ônibus tem este efeito sobre nós. Ela nos faz viajar, as vezes para tão longe que até esquecemos que já passamos da parada. Às vezes é nestas viagens pela janela de um ônibus que nasce uma crônica. Como nasceu a minha. Sei que não sou o cronista que quero ser e talvez eu nunca seja, mas continuarei fantasiando isso naquela janela ao lado daquele senhor.