O homem que ama

Sentia amor pelo colar. Um colar verde que havia topado por acaso na rua. Verde bonito encontrado somente nas folhas da bananeira. Dominando com serenidade os nervos catou o objeto do chão. Aquele acessório seria um “oi” para Isabel.

O homem que ama deve se vestir para uma festa de aniversário todos os dias. Deve esquecer o bloqueio em busca da passagem, pois respostas absolutamente certas, serão irrespondíveis; quando nada é possível desabafar sobre elas. Sempre a vida responde e sempre existe alguém, portanto o homem que ama nunca deve reclamar no espelho.

De volta pelo mesmo caminho vazio o homem que ama deve procurar o equilíbrio do rumo incerto pela serenidade máxima. Serão irrespondíveis as indagações.

Acordou do transporte mal do fígado. Retornou para o quarto, ligou o rádio, acendeu o fogareiro. No café procurou mentalmente uma vaga para morar. Decidiu que seria sósia da própria felicidade. Nascia-lhe um bocado de esperança como uma flor silvestre. Sua palestra seria como as manhãs de sol. O certo seria remeter no bico de um pássaro o colar para a desconhecida, decerto uma dona de olhos lavados de meiguice. Tarefa impossível.

Passou a manhã rindo do fato. Com uma vida de trabalho e um dia livre por semana lhe vieram às palavras temidas dentro do envelope branco. Era a resposta definitiva do patrão para o aumento. O outro é quem estava desempregado, no espelho estava feliz. O sósia da felicidade lutaria para se manter com a alma de polpa macia. Desempregado responde evasivas na leitura mecânica do cotidiano quebrado as duras penas. Suas imagens vinham sem ligação direta. Estava fugindo para o amor num momento difícil. Precisava de dinheiro para comprar pão e desempregado contou as moedas uma a uma.

Anoitece e lá no alto há um céu salpicado de estrelas brilhantes. Botava fé nos astros como no canarinho cativo. Aquelas cintilantes estrelas acabaram virando jóias no paletó surrado entre as caspas dos ombros suportando o mundo.

Nenhuma inveja sentirão porque na felicidade ondulada há um desvio. Assim, pois, deverão dizer, amanhã restará a praia de areia num momento sem frio. Sequer lembrava quantos dias contavam um ano. Fortuna é esquecimento e encontramos no assobio de rua uma prova irrefutável da defesa do homem que ama trinando Aquarela do Brasil pelo asfalto.

- Vá lá dizer um “oi” para Isabel, aconselhavam. Um simples “oi” desfaz alguns“ais”. Com sorte de assunto fácil poderia desfiar sete histórias inéditas para encantar. E talvez encantasse a nativa nesse jardim de almas. Cinco minutos e a implacável timidez fecharia sua boca utilizando um cadeado pesado. Modo de sumir. Se ausentar até mesmo dos retratos.

O homem que ama revive acusações de romantismo incurável. Lunático embebido em lirismo; ao mesmo tempo, como se isso fosse ruim ou rebote da dieta cruel. O homem que ama procura uma bebida gelada e silenciosa nos balcões diários. Tira os óculos e sobre o balcão escreve no guardanapo amarrotado o melhor poema da sua vida: A grande fortuna está à espera de seus filhos. Poema que não quis direito, mas apenas sentir sem defeito. Precisava mandar para o inferno a vida inteira cheia de aventuras ainda não vividas. E prosseguir calmamente como se nada tivesse acontecido. Disfarçar como todos uma excelência sem pecúlio.

Um homem que ama sobrepuja a linda vitrina ornamentada para a soma futura de desejos convencido da posse imaginária. Para com os olhos cheios de promessas começar um canto de salão. Quer um chapéu elegante e um vestido novo para Isabel, uma recordação mesclada de carinho. Miudezas. Espera chegar o dia porque lhe resta no fim uma atitude solene. Gesto carinhosamente guiado pela mão da bondade feita do amor próprio.

Um dia ouviu: Ó! Você aí! Era Isabel. Estava enfiado num macacão de férias e desempregado.