BARBEIRO É ASSUNTO EM BARBEARIA
O silêncio não tem espaço dentro de uma barbearia. Sempre alguém puxa algum assunto. Fala-se de tudo nesse espaço. Seja barbearia ou em salão.
Em cidades pequenas, como em minha adorável Mutum, um acidente automobilístico em fim de semana é assunto de segunda-feira. Quando um dos envolvidos, estando no volante ou no guidão, é jovem ou mulher, aí os comentários são mais recheados de preconceitos. Você já ouviu certamente coisa do tipo “pudera, era um cabeça de vento”, “devia está noiado”, “era doido”, e se for mulher logo vem aquela famosa frase “mulher no volante é perigo constante”.
Falar da barbeiragem de alguns no volante vai entretendo o profissional da tesoura, ou máquina, evitando que ele mesmo faça barbeiragem no cabelo do freguês. O famoso caminho de rato.
Comenta-se o carro que não viu a moto ao lado. Comenta-se o aumento de veículos na rua. Comenta-se sobre aquele velho fazendeiro que dirigia em tempos de estrada estreita de caminhão único na comunidade, fazendo, além do leite, todo transporte de tudo. De gente para a cidade e de mercadorias da cidade para os colonos. Era sal para o gado ou lata de óleo para as pessoas. Era arame farpado para a cerca ou uma fazenda inteira para as roupas de ano novo. Tudo vinha ou ia dentro da carroceria do velho caminhãozinho, hoje dirigido com dificuldade entre os carros 2.0 pelas ruas pavimentadas. Quantos barrancos já teriam se esfarinhado mediante o roçar do velho transportador, substituto dos burros de tropa.
Comenta-se de acidentes leves. Aqueles esbarrões que não chegam a amassar o carro, apenas arranhar. Comenta-se de incêndio que pôs fim à trilha do rapaz de vida errada. Seria Deus escrevendo em linhas tortas, diria o fatalista. Falta de sorte, é o diabo que o esperava naquela reta, complementa o outro em tom de gozação.
Enquanto o comentário vai se esticando, passa alguém bem devagar. Então ele não sabe dirigir. Passa o outro bem veloz, está dando sopa para o azar. Não há quem fique de fora das bocas alheias dentro de uma barbearia enquanto a tesoura, que não pode barbeirar, vai fazendo um novo penteado no cabelo do rapaz que era amigo daquele que estava de moto e foi atropelado em frente ao posto de gasolina. O profissional da tesoura termina seu trabalho e chama o próximo. Mas o assunto segue.
Começa então uma lista dos próximos acidentáveis. “Não vejo a hora de fulano bater com a moto em alguém. E olha que ele não tem habilitação.” “Como assim, tem uns cinco anos que ele pilota aquela motoca velha dele.” “Pois é. Ele pilota desde os quinze anos. Corre que nem o diabo corre da cruz”. “Outro dia eu quase o vi batendo em um poste ao desviar de um cachorro.” “Eu já ouvi dizer que ele quase bateu em um cachorro ao desviar de uma menina que estava no celular.” “Já me falaram que ele estava falando no celular e esbarrou no cachorro”. “Pode ser que tenha acontecido tudo isso com ele e ele ainda não aprendeu a lição.” “E o beltrano? Esse também tem a fama de pé quente. Mas não demorar ir parar dentro de uma cova fria.” “Ele é seu parente?” “Primo segundo.” “Você é o próximo?” “Eu não. Tá doido? Eu sou da paz. Ando na calma.” “Não é isso não. Quem é próximo a cortar o cabelo?” “Ah, tá”.
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