Rogéria e Nísia
1. No carnaval do ano que não lembo qual, conheci aquela que, tempos depois, viria a ser a mais famosa transformista do Brasil.
2. Jovem e árdega, Rogéria, no carnaval de Salvador como convidada, por onde passava, era vibrante e carinhosamente aplaudida pelos soteropolitanos que lotavam a Avenida Sete, o mais tradicional cenário momino da Boa Terra.
3. Em cima de um trio elétrico, lindamente fantasiada, ela distribuía milhões de beijos. Com sua contagiante simpatia ela conquistava até os que, da sacada de seus edifícios, longe, portanto, do "chão da praça", pulavam seu carnaval.
4. O tempo mostrou que Rogéria - nascida Astolfo Barroso Pinto - contra tudo e contra todos, ajudou, com seu talento artístico e personalidade forte, a derrubar o preconceito, cego e irresponsável, contra os homossexuais.
5. Rogéria Barroso Pinto nasceu no dia 25 de maio de 1943, na cidade fluminense de Cantagalo. Falando sobre sua cidade natal, ela teria dito o seguinte: "Em Cantagalo, nasceu a maior bicha do Brasil - no caso, eu - e o maior macho do Brasil, Euclides da Cunha".
6. Ela morreu no dia 4 de setembro de 2017, aos 74 anos. Trabalhou até seus últimos dias. Partiu respeitada como ícone dos transformistas e principalmente como cidadã. Sua biografia, sintetizada no seu necrológio amplamente publicado, vale a pena ser conhecida.
7. E por falar em combater preconceitos, vale também conhecer a história de Nísia Floresta Brasileira Augusta - Dionísia Gonçalves Pinto - que eu acabara de ler exatamente no momento em que soube da morte da atriz Rogéria.
8. Escritora e poetisa, Nísia é lembrada pelo jornalista Marcel Verrumo, no Capítulo 18, do seu interessante livro História Bizarra da Literatura Brasileira, editado pela Planeta. Do Rio Grande do Norte, uma nordestina, pois, ela nasceu no dia 12 de outubro de 1810, numa pequenina cidade chamada Papari.
9. Segundo Verrumo, só a partir do século XIX, "as primeiras brasileiras desafiaram a tradição e começaram a escrever artigos para jornais, traduzir livros e publicar suas próprias obras literárias..." Quebrando a tradição, entre essas brasileiras estava Nísia Floresta. Acabando com aquela de que "Elas deveriam permanecer em casa", e ponto final.
10. Casou duas vezes. Aos 13 anos, com o ricaço Manuel Seabra de Melo, e não deu certo. Se separou, enfrentando um Brasil reconhecidamente conservador. Imaginem os senhores a repercussão dessa separação no interior do Rio Grande do Norte em pleno 1824. Ela não deu bolas e mandou o marido passear.
11. Seu segundo casamento foi com o advogado Manuel Augusto de Faria . Com Augusto viveu vinte e três anos e com ele teve filhas. O matrimônio só foi rompido com a morte do companheiro.
12. Enfrentando, como eu disse, o Brasil conservador do século XIX, Nísia projetou-se como uma mulher de letras. Viveu alguns anos na França, onde fez ótimas amizades, inclusive com Isidore Auguste Marie François Xavier Comte, o filósofo Augusto Comte.
13. E mais. Liderou, corajosa e obstinada, campanhas em favor dos escravos e dos nossos queridos índios. E em jornais e livros, destaca Marcel Verrumo, "Nísia defendeu o valor da mulher..." Nesse passo, teria tomado parte no lançamento do que hoje chamamos de "movimento feminista", no bom sentido.
14. Sua obra mais conhecida, Direitos das mulheres e injustiça dos homens, de 1832, "é uma tradução livre e repleta de comentários de um livro feminista inglês". E segue Verrumo: "O texto é uma ode ao poder da mulher e, do início ao fim, destila um tom panfletário de quem escreve em prol de direitos e contra o machismo".
15. Fiz questão de trazer para minha pobre prosa a figura de Nísia Floresta, "praticamente esquecida", porque, anotem, ela "foi a primeira mulher a publicar um livro no Brasil". Creio que poucos conhecem essa proeza da escritora Nísia.
16. Morreu no dia 24 de maio de 1885 na cidade francesa de Rouen. Seus restos mortais, trasladados em 1954, repousam no mausoléu construído para recebê-los na sua cidade natal, a antiga Papari, hoje Nísia Floresta.
1. No carnaval do ano que não lembo qual, conheci aquela que, tempos depois, viria a ser a mais famosa transformista do Brasil.
2. Jovem e árdega, Rogéria, no carnaval de Salvador como convidada, por onde passava, era vibrante e carinhosamente aplaudida pelos soteropolitanos que lotavam a Avenida Sete, o mais tradicional cenário momino da Boa Terra.
3. Em cima de um trio elétrico, lindamente fantasiada, ela distribuía milhões de beijos. Com sua contagiante simpatia ela conquistava até os que, da sacada de seus edifícios, longe, portanto, do "chão da praça", pulavam seu carnaval.
4. O tempo mostrou que Rogéria - nascida Astolfo Barroso Pinto - contra tudo e contra todos, ajudou, com seu talento artístico e personalidade forte, a derrubar o preconceito, cego e irresponsável, contra os homossexuais.
5. Rogéria Barroso Pinto nasceu no dia 25 de maio de 1943, na cidade fluminense de Cantagalo. Falando sobre sua cidade natal, ela teria dito o seguinte: "Em Cantagalo, nasceu a maior bicha do Brasil - no caso, eu - e o maior macho do Brasil, Euclides da Cunha".
6. Ela morreu no dia 4 de setembro de 2017, aos 74 anos. Trabalhou até seus últimos dias. Partiu respeitada como ícone dos transformistas e principalmente como cidadã. Sua biografia, sintetizada no seu necrológio amplamente publicado, vale a pena ser conhecida.
7. E por falar em combater preconceitos, vale também conhecer a história de Nísia Floresta Brasileira Augusta - Dionísia Gonçalves Pinto - que eu acabara de ler exatamente no momento em que soube da morte da atriz Rogéria.
8. Escritora e poetisa, Nísia é lembrada pelo jornalista Marcel Verrumo, no Capítulo 18, do seu interessante livro História Bizarra da Literatura Brasileira, editado pela Planeta. Do Rio Grande do Norte, uma nordestina, pois, ela nasceu no dia 12 de outubro de 1810, numa pequenina cidade chamada Papari.
9. Segundo Verrumo, só a partir do século XIX, "as primeiras brasileiras desafiaram a tradição e começaram a escrever artigos para jornais, traduzir livros e publicar suas próprias obras literárias..." Quebrando a tradição, entre essas brasileiras estava Nísia Floresta. Acabando com aquela de que "Elas deveriam permanecer em casa", e ponto final.
10. Casou duas vezes. Aos 13 anos, com o ricaço Manuel Seabra de Melo, e não deu certo. Se separou, enfrentando um Brasil reconhecidamente conservador. Imaginem os senhores a repercussão dessa separação no interior do Rio Grande do Norte em pleno 1824. Ela não deu bolas e mandou o marido passear.
11. Seu segundo casamento foi com o advogado Manuel Augusto de Faria . Com Augusto viveu vinte e três anos e com ele teve filhas. O matrimônio só foi rompido com a morte do companheiro.
12. Enfrentando, como eu disse, o Brasil conservador do século XIX, Nísia projetou-se como uma mulher de letras. Viveu alguns anos na França, onde fez ótimas amizades, inclusive com Isidore Auguste Marie François Xavier Comte, o filósofo Augusto Comte.
13. E mais. Liderou, corajosa e obstinada, campanhas em favor dos escravos e dos nossos queridos índios. E em jornais e livros, destaca Marcel Verrumo, "Nísia defendeu o valor da mulher..." Nesse passo, teria tomado parte no lançamento do que hoje chamamos de "movimento feminista", no bom sentido.
14. Sua obra mais conhecida, Direitos das mulheres e injustiça dos homens, de 1832, "é uma tradução livre e repleta de comentários de um livro feminista inglês". E segue Verrumo: "O texto é uma ode ao poder da mulher e, do início ao fim, destila um tom panfletário de quem escreve em prol de direitos e contra o machismo".
15. Fiz questão de trazer para minha pobre prosa a figura de Nísia Floresta, "praticamente esquecida", porque, anotem, ela "foi a primeira mulher a publicar um livro no Brasil". Creio que poucos conhecem essa proeza da escritora Nísia.
16. Morreu no dia 24 de maio de 1885 na cidade francesa de Rouen. Seus restos mortais, trasladados em 1954, repousam no mausoléu construído para recebê-los na sua cidade natal, a antiga Papari, hoje Nísia Floresta.