Água mole em pedra dura...
Hoje eu sou a pedra. A famosa pedra que foi furada de tanto apanhar. A amada e inofensiva água bateu, bateu até que me furou. Uma vencedora! Um exemplo de persistência! Pelo menos, na versão dela da história.
O que ninguém quis saber foi o porquê de eu estar ali no caminho: para driblar a força dela e impedi-la de destruir árvores a lares.
Ninguém percebeu o valor que eu tinha, quando casais apaixonados vinham até mim, sentados trocavam juras de amor eterno.
Ninguém viu quantos pássaros eu ajudei, oferecendo meu apoio na pesca. Quantos peixes colocaram seus ovos dentro das minhas fendas e eu os protegi. Quantas focas se recostaram em mim para tomar sol preguiçosamente.
Alguém sabe do pescador que, tomado pelas ondas, segurou-se em mim e, dessa forma, salvou-se de morrer afogado? E do sorriso do garotinho que encontrou sobre mim lindas conchinhas coloridas?
Não importa realmente...
Agora, estou aqui, machucada, sentindo um vazio enorme, provocado pela surra insistente da Água. E se não fosse o suficiente, ainda padecer injúrias das demais rochas! "Tão fraca! Desonra nossa espécie! Deixar-se ser furada pela água!"
E, apesar de estar tão triste, tão ferida, algo me conforta. Saber que, independente de ter apanhado ou não, continuo sendo rocha. Estou aqui, firme e forte. A ferida não alterou o que eu sou.
E mais! O que me fortalece é ver que, embora tenha me furado, ela nunca conseguirá me tirar do meu lugar, porque eu sou mais forte que ela.
A água passa. Eu permaneço. No fogo, é ela que evapora. Eu permaneço. Ela pode ser poluída, pode ser contida, desviada, armazenada. Eu permaneço.
E só agora é que compreendo que, talvez, toda a raiva que a água tenha de mim é justamente por inveja, porque ela jamais será rocha. Ela está condenada a vagar num ciclo infinito do chão ao céu. E eu permaneço.
Só posso sentir pena. Pena de quem é água. Porque eu sou rocha, e como tal, permaneço!