Não Panflete seu Currículo
Olá, Pessoas!
Como vocês sabem: Sou palestrante e professor. Talvez, por isso, acredite na verdadeira liberdade de expressão e da defesa de pontos de vista. Acho que sempre recebemos uma lição, quando é possível expressar o contraditório. Seja ouvindo as diversas versões, seja porque a dialética, no mínimo, nos remete a algo importante. E isto nos impede de cairmos no esquecimento e nos salva do lugar comum, ao recolher instâncias novas.
Uma delas é como devemos nos relacionar com o mercado de trabalho. Com certeza a qualificação é importante, mas a volúpia por desempenho e a ignorância dos sistemas de selecionamento podem causar problemas. O mercado de trabalho oferece grandes perspectivas, mas esconde armadilhas. Vejam só o email que recebi, recentemente, de uma importante consultoria de empregos:
Gostaria de dar um alerta aos PHDs de plantão. Não panflete seu currículo!Desculpe a franqueza, mas isso apenas desperdiça tempo de quem envia e de quem recebe!Quando divulgamos uma vaga, e descrevemos o perfil, o que se espera é que o profissional respeite o que se pede... É muito desagradável para um profissional graduado e bem informado, ter seu currículo jogado no lixo...
Não deveria, mas fiquei chocado. Em “O Profissional Invisível”, eu havia efetuado uma crítica severa a respeito destes chavões. Mas os preconceitos continuam: Contra os Jovens, Contra os que Passaram dos 40, contra Negros, Mulheres, Cadeirantes e agora até contra quem Envia Currículos!! Certamente existem normas para disciplinar um tráfego de atividades adequado, entre a oferta e a procura; entre os trâmites, análises e avaliações. Sem elas, teme-se de que não seja possível administrar nada. No entanto, as contaminações subjetivas que costumam ocorrer nestes processos burocráticos (Weber), transformam as ações tecnocráticas em processos "morais", sujeito, portanto à miopia dos juízos valorativos. Senão vejamos “filosoficamente” o que disse na realidade este email:
- Os PHDs de plantão... Gostaria de saber algo sobre esta categoria de profissionais que (segundo a afirmação), aparentemente dedicam a sua existência funcional à ficar "por hora disponível" e enviando currículos das Lan Houses (Eufemismo-trocadilho).
É preciso cuidando, então! São verdadeiros franco-atiradores, mantenha seu firewall ligado. Opa! Não é Philosophic Doctor e muito menos confundir con Honoris Causa. Um bom hoax corporativo define percepção = realidade, ou seja: A vida social é construída por aparências. Se mostrar a real, dançou! Finja que está no páreo. Superstição? É piada mesmo! Daquelas que se deve contar de dois em dois meses. Ou não...
Outra coisa que queria comentar é sobre os flanelinhas. Dá até para imaginar o diálogo:
- É Proibido planfletar. Proibido fazer outra coisa além do que mandamos você fazer. Proibido supor que suas competências e talentos correlatos e multidisciplinares, possam ser levados em consideração. Nós descrevemos o que deve ser adquirido e redigimos isto de forma perfeita. Vocês não compreendem? As instruções não foram claras? O que têm a dizer em seu favor?
- Perdão! Lemos o edital, mas é tão inexpugnável esta hermenêutica que foi publicada, que nossas falsas esperanças em discursos de superação e team building nos levam a cair em desgraça: Sim! confessamos. Mandamos os currículos (ou melhor: portfólio profissional) e - supremo sincretismo - acendemos velas na frente do monitor, para que o email voltasse com uma data de entrevista. Antes as pessoas nos enxergavam, mas passados seis meses a poção começou a fazer efeito. As contas estão atrasadas e somos apenas parte dos 80% similares que lutam por diferenciação. Não! Não sabíamos que isto o afligia e perturbava sua rotina, buscávamos apenas a oportunidade do pão e do café com FGTS e previdência social.
Poderíamos perguntar: É proibido a que se afoga procurar salvar-se? Não há liberdade no silêncio das leis? Foi realmente detalhado o escopo à ser trabalhado?. Ele cumpre a lei? Existem muitas questões e regulamentos, mas nenhum que impeça de tentar! De mudar, fazer transição de carreira ou atividade, ou simplesmente: oferecer uma alternativa à solicitação com todo o amparo do bom senso. Em contrapartida, além da opção delete, existe outras hostilidades que podem ser apontadas:
- Não pudemos resistir...Tornados profissionais invisíveis pela ditadura dos indicadores e perfis estratificados, mas frente a uma ferramenta digital (indolor?) que permite interagir com o mundo...a tentação foi grande demais!! Não havia como resistir a um último e desafiador movimento: possibility of rescue now! Mas, agora vemos melhor já que fomos chamados à razão.
- Sim. Vejam o que nos obrigam a fazer: Advertí-los on line: se gerarem mais trabalho para nós, sofrerão nova pena de ridículo público. Esperamos atingir seus corações com este apelo: Hey, PHD dá um tempo aí meu irmão! Aguarde passar o job description correto, somente depois responda. Nada de fazer estripulias. Não precisamos saber que você existe e está disponível, enquanto não decidirmos ir "ao mercado", colher os capitais humanos. Enquanto isso mantenha-se em sua insignificância e respeite as leis ocultas dos mitos corporativos.
- Lembrem-se de que com esta conduta bárbara (aquele que não fala a nossa lingua deve ser desprezado) vocês são culpados de obrigarem pessoas comuns à indignidade do overtime. Nós somos o elo perdido entre a sarjeta e a baia, perdão, workstation. Somente virão ao céu organizacional através de nós. Vocês - hackers do desemprego - são aqueles que coordenam invasões às nossas caixas postais, entupindo-as de esperanças, sonhos, CHA's, capacidades, oportunismos, técnicas, resultados, certezas. Tudo Fora do Perfil!!
- Sim, PHDs! Vocês são cruéis: fizeram com que nós, consultores puros, fôssemos obrigados à nos livrar de todo esse lixo! Vocês nos fizeram perder tempo (dinheiro? Não, algo mais: mas não o tempo, kantiano, condição a priori de toda possibilidade - mas o tempo linear, aquele que Bergson destruíra no início do século 19 com a prova da duração e do fluxo da consciência. Fala-se aqui do tempo taylorizado, do tempo administrativo, do tempo das planilhas, no sem coração dos processos e das relações custo/benefício. Sem mencionar que o manuseio destas indignidades, aumentou nossos custos e assim,a margem de contribuição deste cliente foi menor.
- Mas nós, selecionadores e contratadores, não somos monstros, não! Ficamos chateados quando jogamos vocês fora. Podemos jurar! Tanto que insistimos em manter um programa de reciclagem: tudo vai virar guardanapo. Somos do planeta assertivo e nosso foco é em resultados. Não desejamos lhes fazer mal, apenas desejamos que se enquadrem ou desapareçam. Nossa frieza é transparente: não espere respostas a perguntas que não fizemos. Não criemos intimidade, prejudica as análises. No free hug. Basta que vocês prestem a atenção e cumpram o papel esperado. É tão difícil assim?
- Atenção, mais uma vez, crianças: Nada de utilizar técnicas de marketing viral, virtual e muito menos chegar ao fundo do poço, pois spammers não vão para o céu. Não sejam ousados, criativos ou até impertinentes. Aliás, isto corrompe legítimos preceitos da anacronia metodológica que adotamos dogmaticamente. Vamos parar já com isso: deixem suas inseguranças de lado e até mesmo as suas esperanças, pois nosso credo apenas admite o ideário do "perfil perfeito" (vide este artigo: http://www.recantodasletras.com.br/artigos/599758), o encaixe que satisfaça o espectro noturno dos requisitos. O que prometemos é: Uma vez identificado o espécime, através dos instrumentos adequados, passaremos à fase seguinte (requesting data). Tenha a certeza de que lhe daremos um retorno em breve (confirm password).
E eu, aqui, narrador (depois de Foucault ninguém liga mais para autor), vendo a briga e pensando com meus botões. Devia ter um jeito de resolver isso. Na boa, com humildade... Como é difícil honrar o deus mercado...
Veja só: Eu Adoraria ter uma equipe de profissionais realmente multidisciplinar. Um dream team, que fosse da física molecular ao cálculo de estruturas; da nanotecnologia até as Filosofias mais delirantes. Uma ilha de excelência no árido panorama em frente. Nem que fosse apenas mais uma pessoa íntegra e capacitada a capacitar-se. Nesse mesmo improvável sincronismo que ao menos uma virtualidade possa chavear transformações. Mas, eu que escrevo, também sou ultrapassável pelo horror econômico.
Afinal, eu ainda consigo Imaginar a possibilidade de um campo de força e cognição enciclopédicas, que teria a propriedade de dissolver os problemas de nossa época. Volta e meia eu descubro uma maneira de continuar sonhando. Sempre me pego construindo uma postura ética que possa abranger, além do utilitário, o humano. Tudo isso porque eu me permito crer na possibilidade - I'd love to change the world - de recriar práticas para renovar as relações entre os povos e sistemas. Mas, quem dera! Talvez mais adiante, seja possível.
Enfim, o que eu queria mesmo dizer a vocês é que... Mas, antes de terminar o que escrevia, tudo ficou escuro! Senti uma pancada no chakra frontal e caí. Parecia que tinha sido atacado por um raio de senso comum. Lembro apenas, de escutar umas vozes e cair em cima do monitor, creio que ainda consegui apertar o enter, antes de ser levado:
- Santa utopia, Batman! Acabamos com ele! Miserável e improdutivo sonhador!
- Descreveu bem o perfil, Robin! O Comissário Gordon o manterá dentro das grades medíocres, por muito tempo. O mercado é soberano e ninguém fala assim dele impunemente.
- Vamos, menino-prodígio! Nossa próxima missão é contra aqueles que fazem currículo com duas páginas e demoram mais que três minutos ao resumir sua vida nas entrevistas. São tipos prolixos, perigosissímos.
- Santa Heresia, Batman! Eles foram contaminados pelo Profissional Invisível!
- Não se preocupe, Robin! Queimaremos todos os rebeldes e seus livros! Esta pistola alcança a temperatura de 451 Farenheight. Eles não escaparão!
Meu espírito, meio dolorido da pancada ainda pergunta: Alguém teria recebido a mensagem? Houve a derradeira interpretação? De qualquer forma: Cuidado com a raça mutante dos subsistemas de RH!