CASABLANCA

– Que filme é este, Ricardo?

Olhei para cima e vi, na janela de uma das casas do lado direito da rua, dona Leontina de Medeiros, a dona de uma das pensões mais tradicionais da cidade.

– O nome dele é Casablanca, dona Leontina.

– E isso lá é nome de filme, menino? – brincou a velha senhora com um sorriso.

– É o que está escrito aqui no rolo de filme – informei, parando de caminhar para lhe dar a resposta.

– Posso ver o cartaz do filme?

– Pode sim – disse colocando o rolo de filme na calçada e retirando de uma sacola de lona que levava ao ombro o cartaz e algumas fotografias de cenas do filme.

Imediatamente a mulher veio à rua. Tomou nas mãos o material que lhe entreguei, deu um suspiro profundo e disse:

– Ele é muito lindo!

Corri os olhos pelo cartaz e ali estava a fotografia de um homem e uma mulher em uma pose deveras insinuante. De frente um para o outro estavam Humphrey Bogart e Ingrid Bergman na iminência de se beijarem.

– Já vi vários filmes com este artista.

Dona Leontina era cinéfila inveterada. Amava os atores, sonhava com todos eles e morria de inveja das atrizes que normalmente os beijavam nos filmes.

– Quando é que vai passar?

– Acho que no domingo, na sessão das oito. Se quiser eu pergunto ao tio Alípio e falo para a senhora depois.

Tio Alípio era irmão de minha mãe e dono de um dos cinemas de Ribeirão naquela época.

Despedi-me de Dona Leontina e segui em direção ao cinema.

Tio Alípio me concedera uma das maiores honras que tive em minha infância: buscar na estação ferroviária os rolos de filmes que seriam exibidos em seu cinema.

Quando subia para o centro da cidade em direção ao cinema, carregando o que ia buscar duas vezes por semana na estação, me sentia uma pessoa de importância incomparável.

Sentia-me orgulhoso quando era questionado sobre alguns dos filmes que levava, quando eles seriam exibidos...

Em verdade eu era o centro das atenções naqueles dias.

Além de toda esta atenção e da inveja que certamente causava em muita gente, eu tinha entrada franqueada nas matinês das tardes de sábado no cinema.

Ir ao cinema naquela época era um verdadeiro evento, pincipalmente nas sessões noturnas. Acompanhado de meus pais, fui a algumas daquelas sessões consideradas para adultos. Não que nelas fossem apresentados filmes, digamos, mais apimentados, mas simplesmente por acontecerem depois das oito da noite.

Aquele era, sem dúvida, um momento de festa.

As mulheres corriam aos salões de beleza com muita antecedência e vestiam-se com as melhores roupas. As longas filas que se estendiam ao longo das calçadas nas proximidades dos cinemas se transformavam em um verdadeiro desfile de moda.

E para muitos casais de namorados era uma oportunidade única em suas vidas. Ali estariam longe dos olhares indiscretos e muitos arriscavam a troca dos primeiros beijos.

Isso certamente acontecera com Izildinha, minha irmã mais velha, e Roberto, no início do namoro deles. Eu era sempre incumbido pelo meu pai de ficar de olho neles. Mas me sentava lá na frente, distante dos dois, na primeira fileira. Gostava mesmo era de ficar quase debaixo da tela, bem longe deles.

VERSO E PROSA
Enviado por VERSO E PROSA em 06/09/2017
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