Diário de Sonhos - #121: Seus Olhos
Sonhei que estava em algum lugar do bairro com meu amigo John Lennon. Ele disse que precisava ir embora então eu o acompanhei até o ponto de ônibus. Andamos muito. O ponto ficava bem longe. Acho que uns dois dias de caminhada. Chegamos bem na hora que o ônibus dele ia sair. Ele correu e conseguiu embarcar.
Mas então eu percebi que estava perdido e não sabia voltar pra casa. Resolvi esperar um ônibus pra mim também. Agora percebo que estou parado perto do Boi do Povo. Já sei onde estou e já sei que ônibus pegar. Vários outros passam, mas o que eu preciso nunca passa. Começo a me sentir enjoado e sonolento. Desmaio.
Acordo dentro de um ônibus, sentado bem atrás do motorista. Um velhinho me cumprimenta. O motorista me cumprimenta. Várias pessoas me cumprimentam e começam a conversar entre si sobre várias coisas. Eu me distraio. Depois de um tempo lembro que preciso ir pra casa. Pergunto em que ônibus estou. Não é o meu. Mas felizmente eu conheço o caminho desse ônibus. Posso descer depois de um hotel e uma loja de vinhos, lá tem um cruzamento onde passa o ônibus que eu preciso. Tento prestar atenção no lado de fora, mas está de noite e tudo muito escuro.
Quando o ônibus pára todo mundo desce. Ponto final? Não é noite. É finzinho de tarde. Estamos todos parados num imenso campo de futebol de terra com uma favela do lado. Vários nóias armados aparecem e mandam todo mundo ajoelhar e ficar colocar a mão na cabeça. Não entendo muito bem o que está acontecendo, mas sei que já é bem tarde e eu tenho medo de ficar a essa hora. Pego meu celular e tento chamar um Uber, mas não tem nenhum por perto. Tento acessar o Google Maps pra saber onde estou, mas não tem sinal. Um dois nóias tira o celular da minha mão com um chute e manda eu ficar quieto com as mãos na cabeça. Obedeço. Encaro-o. Não sinto mais medo. Sinto apenas raiva. Ódio daquele favelado desgraçado, vítima da sociedade meu ovo. Ele percebe e me encara também. Não desvio o olhar. Se pudesse matar olhando o teria feito. Ele avança devagar:
"Eu não gosto dos seus olhos. Não gosto do jeito que você me olha".
Ele fala, mas de sua garganta parece que saem mais vozes. Olho em volta e percebo que os outros nóias também estão me encarando com a mesma expressão. São cinco ou seis nóias, e todos falam exatamente ao mesmo tempo, no mesmo tom, na mesma velocidade:
"Eu não gosto dos seus olhos. Não gosto do jeito que você me olha".
São Paulo, cinco de setembro de dois mil e dezessete.