A FORÇA DE UMA SUGESTÃO

Era novembro, já passava das onze horas da manhã, o sol estava quase a pico, ardente, como há muitos anos não acontecia. O vento soprava forte, mas quente, e arrastava uma poeira seca que impregnava na pele, nas roupas, deixando uma camada de terra por onde passava. Naquela cidade longínqua, em pleno sertão nordestino, o fórum estava completamente lotado, todos queriam assistir aquele júri. Era o assunto mais discutido, o maior evento dos últimos tempos na região. Um crime ostentado de crueldade e futilidade.

O velho prédio amarelo, desgastado pelo tempo e pela falta de conservação, abrigava o fórum. As paredes descascavam, mostrando o barro seco e parecia se desmanchar ainda mais com a passagem do vento. Apesar de toda a aparente destruição externa, ele continuava a preservar as lembranças de seu passado de glória e poder. Ao atravessar as portas francesas de madeira grossa e antiga, com seus furos e imperfeições, se via o grande salão com a coloração das paredes já desbotadas e piso branco com uma estampa marrom, formando flores, cheio de rachaduras e faltando alguns pedaços. Janelas de madeira com porta dupla, presas por pregos e cordões para permanecerem abertas, dando entrada a iluminação e ao vento, com o intuito de refrescar um pouco o recinto.

A primeira parte da sala possuía muitos bancos de madeira compridos, antigos, mas firmes, apesar de gastos e cheios de defeitos que deixavam à mostra os pregos tortos e desajeitados. Apesar de tudo, os bancos estavam abarrotados de curiosos, na ânsia de ver o show. O teto do salão era alto e sem forro, deixando à mostra as grossas vigas que se estendiam de canto à canto do recinto. Uma divisória de madeira separava essa primeira parte, com o público, da segunda parte, onde se encontrava, à direita, as cadeiras dos jurados e, na frente, o púlpito ostentoso onde sentava o magistrado, vestido em sua beca ostentosa, e ao seu lado, a acusação, o escrivão e a defesa. Logo à esquerda, com um policial de cada lado, o querelado, um homem nos seus quarenta e poucos anos, de pele queimada e rachada, rugas e um olhar baixo e profundo, as mãos calejadas do trabalho no solo. E, por fim, o oficial de justiça, que acompanhava cada movimento na sala, tentando organizar tudo para que transcorre-se na maior tranquilidade.

Os sete jurados eram compostos de pessoas do povo. Dentre eles, apenas uma mulher, bem caricata, meia idade, cabelos curtos e ficando grisalhos, óculos de tartaruga com as lentes grossas e um vestido azul cobalto, feito apenas para aquela ocasião. O restante dos jurados eram homens de diversas classes sociais, todos acima dos quarenta e cinco anos, representante leigos perante as leis, mas com sede de justiça. E o calor, que parecia ficar mais forte, começava a impacientar as pessoas, o suor começava a aparecer, se abanavam como podiam.

Depois da abertura, o juiz, um homem com seus sessenta anos, meio calvo, acima do peso, se manifesta e dá a palavra à promotora de justiça. Esta, que há pouco havia passado no concurso, assumira aquele posto, estava em seu primeiro grande júri. Com apenas vinte e sete anos, cabelos negros como carvão, curto e ondulado que acompanhavam um rosto arredondado e olhos castanos escuros, cheios de energia. Finalmente se preparava, com um pouco de medo, para mostrar os fatos. Andou pela sala, em direção aos jurados, com sua veste talar e iniciou a história sobre o triste e trágico ocorrido.

Aquele homem, que se encontrava no banco dos réus, era um agricultor das redondezas, tinha sua gleba, onde plantava feijão e mandioca. Ao lado de sua propriedade, um senhor de mais de cinquenta anos, também agricultor, com belas plantações. Ambos trabalhavam sol a sol e eram amigos desde a tenra infância. Porém, um certo dia, o acusado achou que o padecente estava afastando sua cerca, e assim invadindo suas terras. Os dois iniciaram uma discussão, em que a vítima negava piamente tal fato. O indiciado insistia. Ele entrou nas terras da vítima e o afrontou com palavras e gestos.

O agricultor de meia idade, sem entender as acusações do companheiro de longas datas, continuou a negar, e por fim, pediu que o amigo obstinado, se acalmasse e deixasse de incutir coisas sem lógica, saindo de suas terras, naquele exato momento. Dizendo isso, ele se vira e caminha em direção de sua casa.

Neste momento, o vizinho, invadido por um ódio incontrolável, vira-se, e pegando um pedaço de pau grosso, grande, velho e descascando, que estava encostado na cerca, e com um só movimento, a agarra e começa a bater descontroladamente e com fúria no vizinho, atingindo inclusive a cabeça, até vê-lo cair morto no chão, com muitos machucados e encharcado de sangue.

A esposa da vítima se aproxima naquele momento, com um balde de água nas mãos, o qual derruba ao ver a cena chocante do marido morto no chão e o seu vizinho com um pedaço de tora, parado em frente ao mesmo, e lhe encarando com os olhos pulando do globo ocular, a pele suada, e um aspecto meio perdido, louco, como se tivesse acordado de um pesadelo.

Ela grita, e corre em direção do moribundo, se ajoelhando sobre ele, o agarrando, balançando, chorando e berrando desesperadamente.

Ela era uma mulher de meia idade, que usava um vestido de chita com um pano amarrado na cabeça e tinha uma pele queimada e enrugada, que a fazia parecer uns quinze anos mais velha.

Diante da exasperação da viúva, o homem solta o pedaço de madeira, e sai correndo de lá, pula a cerca e ganha a estrada, em uma velocidade sem tamanho.

Dois dias depois, o suspeito é preso na cidade vizinha, pelos policiais de sua cidade, após uma denúncia anônima, de um homem escondido num barraco abandonado.

A promotora enfatiza, que foi um homicídio cruel e fútil, e aproxima-se do oficial de justiça, fala no ouvido do mesmo, que se retira do recinto, retornando logo depois com um pedaço de pau, como o utilizado no homicídio, e entrega para a promotora, que entrega ao primeiro jurado, e pede para que cada um, segure aquele pedaço tosco de madeira, e se coloque no lugar da vítima, sentindo cada paulada que a mesma recebeu naquele tenebroso dia, sem conseguir se defender, até ser atingido para o final mortal.

Os jurados indignados, tocavam aquela tora tosca, e imaginavam aquele ocorrido com eles, fazendo que fizessem expressões horrorizadas e indignadas, fazendo brotar todas as suas mais profundas emoções, e aquele instrumento contundente, ia passando por cada um deles. Alguns até chegaram a deixar escorrer lágrimas pela face, que se misturavam com o suor, pelo calor do lugar.

As pessoas que assistiam a tudo, também conseguiam imaginar cada golpe desferido no pobre agricultor, e chocadas, muitas comentavam entre si, toda aquela história, vendo e revendo, cada um dos detalhes cruéis, e sem sentido.

Enfim, os jurados foram para a sala de reuniões, e menos de trinta minutos depois, retornaram com o veredito de culpado.

Aquela afirmativa invadiu toda a sala, e recebeu muitas palmas. Vozes que pareciam estar felizes pela tragédia ter tido um final justo e merecido.

O acusado sem reação, foi levado pelos policiais, e a promotora recebeu muitos elogios pelo seu desempenho.

Ela estava feliz por ter conseguido fazer seu trabalho, pela primeira vez, de forma tão impactante. Não que a prisão daquele homem fosse mesmo resolver algo, nem trazer a vítima dos mortos, mas, parecia que a justiça tinha sido feita.

Noélia Alves Nobre
Enviado por Noélia Alves Nobre em 05/09/2017
Código do texto: T6105369
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