Estroboscópica Primaveril
Estroboscópica Primaveril
Deflação, humpf, sei, não vou num único lugar onde os preços, que eram x, agora não estejam x3. Que conversa mole. Com a idade e as energias pós eclipse sente-se um revirar estomacal face aos biscoitos do establishment. Outro dia ouvi uma senhora chamada Patsy Cline. Peço, por gentileza, que alguém me confirme se ela é tão boa quanto meus ouvidos registraram. A citada mudou de estação em 1963, seu avião bateu num penhasco. Calma lá, se Elis Regina fosse uma religião eu faria parte, seria até sacerdote, ocorre que a sra. Patsy gravou uma pá de canções entre 55 e 63, grosso modo, uma época em que os estúdios não transformavam caolhos vocais em Orlandos Silvas e, para concluir, a sra. Patsy Cline tinha um gogó que não era brincadeira. O repertório, infelizmente, chatonildo, datado, mas a voz dela, uau. Eu sei, o Faulkner escrevia períodos longos, de até 20 linhas, hoje em dia não haveria platéia para isso, a única coisa que conheço dele é uma condensação de 6 contos num filme dirigido pelo Martin Ritt em 1958. No finalzinho o filho tranca o pai no celeiro, toca fogo no feno, depois abre a porta, eles se abraçam, o pai filosofa “quando penso no ódio que me colocou lá dentro, e no amor que me tirou de lá”. Isso é mais autêntico que deflação. Outra aquisição recente foi a Irena Krzyanowska. Espera, preciso contar uma piadinha antes. A mulher diz: sou casada com um polonês há 15 anos. Ele me deu uma coisa dura e longa no dia do matrimônio, sabem o que é? Um sobrenome… A Irena também é conhecida como Irena Sendler, em pleno Gueto de Varsóvia, sob as armas daqueles tarados, ela sozinha salvou 2.500 crianças. Se tiver paciência, pesquise, o método de resgate foi do balaco, e finda a guerra ela foi além. Precisou de uma coragem sobrenatural para esse feito. Tipo de história que sempre motiva, uma espécie de presente do qual não nos separamos jamais. "Música é ouvir e responder ao outro" (Jim Hall). As Irenas brasileiras e seus equivalentes masculinos são soterrados impiedosamente dia e a dia e a junção da apatia com a distopia colocam sob holofotes engodos sem conta, até quando, ninguém arrisca. Haja precaução e caldo de galinha, mesmo sabendo que a escuridão ri quando a gente sente medo. Procura-se um local onde a vida esteja apenas preocupada com a vida. Adoraria ler isso num outdoor sem patrocínio. Um sujeito chamado Frederick Lenz explicou de modo sucinto a inexistência do caos, dizendo que tudo não passa de uma "série de tipos diferentes de ordens com que a mente humana ainda não está familiarizada”. E depois blasfemam que não precisamos de tradutores. Apenas por dedução compreendo então que expectações, ansiedade, autoridade, suspeitas, exigências só existem em seu vigor natural se amparadas num ponto firme naquele local chamado futuro. Meu aplauso ao cara que cunhou “Possua o seu próprio tempo e você conhecerá a sua própria mente.” Ai, ai, não sei o que você esperava dessa leitura. Num bom dia poderia ouvi-lo indagar: você sempre dá muito mais do que lhe pedem? Ao que eu responderia: só para aqueles que pedem muito menos do que desejam.
(Imagem: Sunday Morning, As Things Are. Sally Storch)
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Deflação, humpf, sei, não vou num único lugar onde os preços, que eram x, agora não estejam x3. Que conversa mole. Com a idade e as energias pós eclipse sente-se um revirar estomacal face aos biscoitos do establishment. Outro dia ouvi uma senhora chamada Patsy Cline. Peço, por gentileza, que alguém me confirme se ela é tão boa quanto meus ouvidos registraram. A citada mudou de estação em 1963, seu avião bateu num penhasco. Calma lá, se Elis Regina fosse uma religião eu faria parte, seria até sacerdote, ocorre que a sra. Patsy gravou uma pá de canções entre 55 e 63, grosso modo, uma época em que os estúdios não transformavam caolhos vocais em Orlandos Silvas e, para concluir, a sra. Patsy Cline tinha um gogó que não era brincadeira. O repertório, infelizmente, chatonildo, datado, mas a voz dela, uau. Eu sei, o Faulkner escrevia períodos longos, de até 20 linhas, hoje em dia não haveria platéia para isso, a única coisa que conheço dele é uma condensação de 6 contos num filme dirigido pelo Martin Ritt em 1958. No finalzinho o filho tranca o pai no celeiro, toca fogo no feno, depois abre a porta, eles se abraçam, o pai filosofa “quando penso no ódio que me colocou lá dentro, e no amor que me tirou de lá”. Isso é mais autêntico que deflação. Outra aquisição recente foi a Irena Krzyanowska. Espera, preciso contar uma piadinha antes. A mulher diz: sou casada com um polonês há 15 anos. Ele me deu uma coisa dura e longa no dia do matrimônio, sabem o que é? Um sobrenome… A Irena também é conhecida como Irena Sendler, em pleno Gueto de Varsóvia, sob as armas daqueles tarados, ela sozinha salvou 2.500 crianças. Se tiver paciência, pesquise, o método de resgate foi do balaco, e finda a guerra ela foi além. Precisou de uma coragem sobrenatural para esse feito. Tipo de história que sempre motiva, uma espécie de presente do qual não nos separamos jamais. "Música é ouvir e responder ao outro" (Jim Hall). As Irenas brasileiras e seus equivalentes masculinos são soterrados impiedosamente dia e a dia e a junção da apatia com a distopia colocam sob holofotes engodos sem conta, até quando, ninguém arrisca. Haja precaução e caldo de galinha, mesmo sabendo que a escuridão ri quando a gente sente medo. Procura-se um local onde a vida esteja apenas preocupada com a vida. Adoraria ler isso num outdoor sem patrocínio. Um sujeito chamado Frederick Lenz explicou de modo sucinto a inexistência do caos, dizendo que tudo não passa de uma "série de tipos diferentes de ordens com que a mente humana ainda não está familiarizada”. E depois blasfemam que não precisamos de tradutores. Apenas por dedução compreendo então que expectações, ansiedade, autoridade, suspeitas, exigências só existem em seu vigor natural se amparadas num ponto firme naquele local chamado futuro. Meu aplauso ao cara que cunhou “Possua o seu próprio tempo e você conhecerá a sua própria mente.” Ai, ai, não sei o que você esperava dessa leitura. Num bom dia poderia ouvi-lo indagar: você sempre dá muito mais do que lhe pedem? Ao que eu responderia: só para aqueles que pedem muito menos do que desejam.
(Imagem: Sunday Morning, As Things Are. Sally Storch)