GATO PRETO
Aos sete anos, ganhei um presente maravilhoso, um gato. Dei-lhe o nome de Cão. Era pequeno, preto, de olhos amarelos e brilhantes.
Estava muito feliz com meu novo mascote. À noite, ele dormia deitado em meus pés.
Durante um almoço, que meus pais fizeram com amigos, uma menina, que devia ter a minha idade, ficou brincando comigo. Eu não a conhecia, mas ela possuía lindas bonecas.
Passamos a tarde juntas. No início da noite, Cão apareceu, deitou-se em meu colo e comecei a fazer-lhe carinho.
A menina, ao vê-lo, fugiu. Parecia assustada e olhava feio para o gatinho. Perguntei-lhe o que havia de errado. E ela me deu uma resposta totalmente inesperada:
– Gatos pretos são do mal. A vovó disse que dão azar.
Fiquei a perguntar-me o que seria azar. E o porquê de um gato inocente ser do mal.
Perguntei aos meus pais o que significa azar:
– Quando muitas coisas ruins acontecem com você; seus brinquedos estragam e suas canetinhas vazam no estojo, está com azar. É algo que tem quando muitas coisas ruins acontecem. O contrário de sorte.
Outra palavra nova, mas essa eu já sabia o significado.
Perguntei para muitas pessoas o que trazia sorte e o que trazia o azar. Acabei fazendo uma lista de o que devia fazer para ter sorte e não atrair o azar: não quebre espelhos; não abra o guarda-chuva dentro de casa; nunca passe embaixo de escada; procure um trevo de quatro folhas em cada canteiro que encontrar.
Aos nove anos, vovô me deu um pingente de trevo de quatro folhas, de ouro, que passei a usar todos os dias, sem exceção.
Segui com minhas superstições por toda a vida, tornei-me mais ansiosa e cautelosa com minhas decisões, sem nunca perder o controle. Até que um dia, aos vinte anos, conheci Caio. Ele estava sentado no balcão do café da biblioteca, com um cappuccino e biscoitos, lendo Machado de Assis.
Eu, na companhia de uma amiga, que disse conhecê-lo. Aproximamo-nos e ela nos apresentou. Ficamos conversando por meia hora, até que ela teve de ir embora, e ficamos apenas nós dois, falando sobre livros, músicas e viagens.
Planejamos ir à Italia e fazermos um mochilão por Portugal. Uma conversa boa, uma pessoa boa. E o ano seguinte, foi ótimo. Porém, ele quebrou um espelho.
Morávamos juntos, foi rápido; no entanto, bem pensado. Decorei a casa com tudo o que havia para atrair sorte. Caio não gostava... Um dia, bebeu, como nunca antes, e disse estar farto das minhas "loucuras ridículas". Quebrou o espelho da entrada, jogou ao chão todos os vasos de trevos e pimentas.
No dia seguinte, acordou pedindo desculpas, dizendo que havia perdido a razão e que nunca repetiria tais gestos. Não perdeu toda. Errara e perdera totalmente o controle; contudo, estava certo em uma coisa, eu estava à beira da loucura.
Disse-lhe que o perdoava, mas que devia ir embora. Agiu como insano, entretanto me ensinou algo bom.
Cansei de temer. Passei por baixo das escadas, abri os guarda-chuvas, brinquei de atravessar o caminho de Cão, quebrei os espelhos, arrisquei-me.
Estou cansada de me guardar. Sem mais temer, mas sempre, com o pingente de trevo junto a mim.